sábado, 24 de maio de 2014

Machado de Assis Genérico, para leitores ruins, ganha UM MILHÃO DE REAIS!


Na semana, participei, no programa "Debates do POVO", na rádio O POVO CBN, apresentado por Ruy Lima , com a direção da queridíssima Maryllenne Freitas, ao lado do jornalista Cliff Villar e da profa. Maria da Luz Veras Mourão, da escola pública de Messajana, debatendo sobre o projeto, aprovado (surpreendentemente) pelo Ministério da Cultura, no valor captado de um pouco mais de UM MILHÃO DE REAIS, para elaboração de um texto "facilitado" de duas obras clássicas da literatura brasileira: O Alienista, de Machado de Assis, e A Pata da Gazela, do José de Alencar.
A proponente, a profa. Patrícia Secco, se propõe a trocar palavras do texto original para que os alunos não "rejeitem a obra". Ela acredita que Machado endossaria tal ato, pois queria ser lido e conhecido do público (numa visão de autor de porta de editora, disponível a escrever sobre qualquer coisa, desde que possa ostentar o título de "escritor publicado"). Para mim, o fato de ela dizer que "entende por que os jovens não gostam de Machado" já demonstra uma total insensibilidade à arte da escrita.
Acredita ela, pelo menos é o que diz, que faz isso para que o gari, a lavadeira, o garçom queiram e consigam ler Machado. A visão social da senhora Secco quase me faz chorar... de raiva! Com tantas obras escritas (os periódicos dizem que ela tem mais de 200 obras infantojuvenis publicadas), o que acho uma cifra exagerada, ela troca a palavra "sagacidade" por "esperteza" ou "boticário" por "farmacêutico", simplesmente por achar que o jovem não sabe o que isso significa, e que, dessa forma, ele se entusiasmará a ler. Veio-me à cabeça, imaginar um dia que a escola seria o local ideal para educar, para que o aluno fosse estimulado a ler e ampliar seu repertório vocabular. Em pouco, as famosas "cousas" de Machado se transformarão, pelas mãos de outro especialista, em "troços", para facilitar a leitura. Ou quem sabe a Capitu poderia dar um beijinho no ombro, ou o Brás Cuba poderia se transformar num vampiro romântico, ou deva sonhar com a criação de um site de relacionamentos, uma espécie de facebook, ao invés de emplastros. Aliás, o que diabos é emplastro, mesmo? Vamos facilitar esse negócio?
Pois é, a educação brasileira, há muito tempo, vem adotando a mania de "facilitar", assim como facilitou o curso superior, o mestrado e o doutorado, gerando um bocado de gente cabeça oca* com titulação inútil, presas a um LATTES bizarro, sistema injusto e teatral, que "se passa", mas que determina uma série de empurra-empurra (ou jogo de carniça) nos departamentos de sisudos estabelecimentos de ensino. Ou seja, onde deveríamos estar construindo uma escola que se aproxime de Machado, o tiramos de seu tempo, lhe roubamos as palavras (lembrando que a literatura não é apenas conteúdo e que nela não importa apenas O QUE se diz, mas COMO se diz, que é o que difere um "escritor" de um "ser alfabetizado").
Pior ainda é imaginar que o Estado promove isso, que mais de 600 mil livros com texto de Machado Genérico será distribuído para o Brasil e para fora dele. Daqui a 50 anos, certamente, quem saberá qual o texto correto do autor (detalhe: no livro da Secca, na capa, não consta que a obra seja adaptação, facilitação ou obra frankenstein).
Enfim, para fomentar o debate, deixo a seguir o link do site Letra&livros, do amigo Vladimir Araujo, que faz ponderações muito sensatas sobre a temática. Sugiro a leitura:


http://www.letraselivros.com.br/livros/artigos/3451-a-desconstrucao-de-machado

(*) Felizmente ainda são muitos, não o bastante, os bacharéis, mestres e/ou doutores que honram o título conquistado com empenho, esforço, dedicação e criatividade. Eu mesmo tenho o privilégio de conhecer alguns que podem bater no peito por não ter vendido a alma, bem baratinha, para arranjar um negocinho desses. 


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