Nilto Maciel, por Audifax Rios
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Escrevo sob o sol dos trópicos,
ora escondido em carregadas nuvens negras que, geralmente, dão em nada.
Latitude, 04; longitude 40: coordenadas que saem do mapa para o coração. Onde o
rio Acaraú é um filete de prata sobre o leito verde, tal a escorregadia porção
de mercúrio com a qual brincávamos no laboratório de ciências do ginásio. Ou
cerveja derramada na mesa de sinuca desaguando na caçapa do mar. Muito verde,
pouca safra. Muita esperança, pouca vontade de resolver o problema da seca.
Leio o Cherrizinho de Martine Kunz, biografia do Cláudio Pereira em feitio
de oração. Estou surpreso, o texto é lindo, comovente. O Pereira está na área,
vivíssimo. Ninguém traduziu e nunca dissecará o Cláudio tão perfeitamente, tão
pereiramente. Sem cair na armadilha do panegírico, como ela alertou. No
decorrer da epopeia dialoga com o parceiro e vai desfolhando a memória da casa
azul de bolinhas brancas, da praia generosa, da Fortalezamada. Suspensa no
tempo como a balouçante gaiola de porta aberta, desabitada. Livre como o texto
delicioso.
E um que não escreverá mais.
Releio o conto “Casa mal-assombrada” de Nilto Maciel, que se foi dias atrás.
Mera coincidência, mas ali está um documento premonitório. Adeus, amigo.
Ficarei com teus pedaços literários, punhalzinhos enfiados na mula preta; patas
de cão e pescoço de girafa; donzelas e guerreiros, cabras e bodes e os varões
navegadores de tua Palma, tua Macondo. Vastos abismos da Baturité de Monte-mor
a instalar luzeiros do mundo para aclarar as helênicas noites deste itinerário
incerto.
A praça do Congresso é um bulício
só. Muita alegria, muita gente bonita. Mormente depois que finda, na Matriz, as
celebrações em honra a Maria. Hoje, os muitos carros e motocicletas emprestam à
bucólica paisagem empáfia de metrópole. E o som dos paredões, um atestado de
imbecilidade. Há uma disputa de quem é possuidor do aparelho mais possante e
mais valioso. Tem carro de passeio ocupando quase todo o espaço com estridentes
alto-falantes. Impedindo a salutar conversa de calçada. A qualidade da música é
secundária, não importa, o que conta são os altíssimos decibéis. Quanta ignorância!
No quintal do meu refúgio cresceu
uma ateira e, ainda de caule franzino, já pariu quatro frutinhas. A primogênita
foi amadurecida no pé e arrancada sem o talo do miolo, de tão mole. Uma
delícia. Sim, tem milho, feijão, jerimum e melancia na feira, muito pouco, é
certo, mas pra quem não contava com nada... A produção de peixe é, igualmente,
diminuta, um cará de palmo custa quinze pratas.
O escritor conterrâneo Clauder
Arcanjo nos intima a cuidar de uma edição fac-similada de O Município de Sant’Anna, livro escrito em forma de folhetim no
jornal de mesmo nome editado pelo abolicionista José Mendes Pereira e
Vasconcelos. Conta a história da terrinha desde os primórdios até o final do
século XIX e foi editado em 1926 pelo Correio da Semana de Sobral. Clauder tem
projetos de biblioteca e editora por aqui, uma fundação que levará o nome de
Licânia que por alguns anos batizou nossa Santana. Em tempo: Licânia é o nome
científico de oiticica.
Outro santanense, este do
Estreito de José Alcides Pinto, andou por estes pagos, palmilhando caminhos
remotos, revendo antigos companheiros. É pioneiro de Brasília e escolheu Caldas
Novas para curtir a aposentadoria. Advogado, é também poeta e pertence à
Academia de Letras daquela cidade goiana. Voltou turbinado, banhado no Acaraú
quase seco e com a mente refrescada pela aragem tangida à dragão do anjo
maldito, o dito Alcides Pinto, a bênção!
Pois então, nada mais de novo sob
o sol equatorial, só os sons quase imperceptíveis dos cantos santos entoados
por quatro gatos pingados que acompanham o andor da Virgem aos lares onde não
mais se oferecem licor de mutamba aos músicos da bandinha Padre Araken da
Frota. Sem a tuba do Zé Borges e o bombardino do Camarão.
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