“O
que se diz é que o desejo atual das pessoas de se mostrar, de se exibir, de que
sua vida tenha testemunhas (o exemplo citado é o das pessoas que penduram sua
vida na internet), talvez seja o resultado de uma nostalgia da velha ideia de
que Deus era testemunha de tudo que fazíamos, de nossa vida inteira.”
(Javier
Marías, entrevista aO GLOBO)
Numa das poucas pistas que deu para o fato de ter
deixado de escrever (ou pelo menos de publicar), Raduan Nassar disse, em rara declaração,
que o escritor é como aquele menino que os pais colocam na sala diante das
visitas para se mostrar: recitar versos, cantar de cor uma canção, fazer “de
cabeça” operações matemáticas, tocar algum instrumento musical ou simplesmente
dizer gaiatices.
Sempre me intrigou o motivo que leva alguém a
transpor para o papel (hoje à tela) seus segredos mais bem guardados, suas taras
mais secretas, seus instintos menos públicos. Deixa-me de cabelo arrepiado (o
pouco que tenho) a perspectiva de que um estranho me desvende atrás do novelo
de uma frase. Que do emaranhado de palavras brote, para um atento leitor, o
monstro que sou (somos todos nós!?) na intimidade do coração.
Assusta-me a necessidade desenfreada que as pessoas
têm (temos) de se expor, de se “amostrar”, de se desvendar inteira para essa
multidão de estranhos que as (nos) rodeiam. E essa carência de reconhecimento,
de não serem anônimas no mundo, (ou sempre foi assim, hoje apenas é mais
visível?) se tornou doentia.
O exibicionismo impera na internet e fora dela.
Facilmente sabemos quase tudo da vida de qualquer um: não só de seu corpo,
tatuagens e manchas, mas até nuanças emocionais. Fotos e confissões disputam
espaços nos blogs e sites. Fala-se publicamente de finanças e sexo, de trabalho
e viagens, de projetos e sonhos. Nós — sem que nenhum governo tirano, nenhum
sistema político sofisticado, nos obrigue — nos colocamos numa bandeja prontos para
ser servidos.
Quisesse saber de segredos, antes: necessitava o
marido suspeitoso contratar detetive para seguir a esposa (ou o contrário,
claro), a empresa enviar funcionário à vizinhança do futuro empregado. Serviços
secretos, de espionagem doméstica ou empresarial, pública ou privada,
proliferavam em várias escalas da sociedade.
Hoje não, bastam alguns minutos na frente do
computador e já sabemos o signo, as preferências culinárias, a ideologia
política ou religiosa, as taras e fetiches e até (pasmem!) projetos de vidas e
sonhos de qualquer pessoa, seja ela uma simples doméstica ou um pedante professor
universitário.
Claro, não colocamos todas as verdades, pois muitas
vezes nem mesmo nós as sabemos. Deixamos apenas pistas. Fotos e pegadas que
jamais (me fala um amigo fanático pela “grande rede”) poderão ser apagadas.
Se formos baixos, ficamos altos; se pobre, ricos; se
desinformados, copiamos citações no Google.
Criamos nossos próprios “fakes”. E saímos (pior, nem
mais saímos) por aí completa ou parcialmente Frankensteins.
Resta-nos somente, na nossa incontrolável ânsia de
exposição, saber quem vai nos inventariar no futuro.
Quem vai comer esse prato quente que ora servimos a
todos?
Putz... falou pouco e disso tudo!
ResponderExcluirGrande verdade !!!
Pasmem