Drummond, Vinicius,
Bandeira, Quintana e Paulo Mendes Campos
"Depois
de te perder, te encontro, com certeza,
talvez
num tempo da delicadeza,
Onde não diremos nada; nada aconteceu.
Onde não diremos nada; nada aconteceu.
Apenas
seguirei, como encantado, ao lado teu." (Chico)
A
primeira garota a despertar-me o sentimento de esquecer de mim tinha nome de
flor, entretanto, nada de peitos, nem bunda, as pernas eram finas e os cabelos
escureciam o rosto alvo, decorado em sardas, de quase não ver os olhos
acastanhados. Ora, ela contentava apenas 9 anos! Nem sei como se deu, nem como
começou. Lembro apenas de seu sorriso e do inocente desinteresse a minha figura
esquálida, repleta de apelidos, protegida dos colegas moleques pela irmã mais
velha.
No ano
seguinte, mudando de escola, encantei-me por outra garota, mais madura, com 10
anos, que habituava cobrir as mechas negras em gorro de crochê azul. Eu, nos
finais de semana, por não suportar-me em saudades, ia ao mercadinho em frente a
sua casa, com a desculpa de comprar biscoitos, mastigados com a lentidão da espera
de a qualquer momento vê-la — e apenas isso — passar por trás do muro baixo.
Com o fiar
dos anos, a adolescência, percebi: passava à calçada uma, apaixonava-me.
Cruzava por ali outra, também. E assim se movia a torcicolos o coração de
menino para lá e para cá, enamorando-se intensamente, sempre de súbito, por
estranhas das quais nunca foi merecedor sequer de descuidoso olhar.
Aos 13,
num esboço de reflexão prematura, pensei: alguma coisa está errada! Desconfiei se
não constatava ali a promessa de um tarado, um pervertido. Promessa essa,
decerto, não cumprida ao longo de uma vida sempre muito solitária, ensimesmada
e pensativa. Na época, ironicamente, o desejo de seguir a carreira sacerdotal, a
Bernardo Guimarães — eu gênio e a cidade proibida, Margarida —, nada de envolvimentos
que pudessem atrapalhar o destino já escolhido. Ainda assim, entre os
intervalos dos serviços de igreja, passava horas infindas da mais pura
adolescência ouvindo músicas melosas, gastando-me em sinceras e bizarras
quadrinhas apaixonadas. Que sacrilégio, hoje sei, com tanto que já se disse em
completude sobre o amor... Talvez, por isso, quando um candidato a poeta
mostra-me seus versos, dá-me logo a vontade de dizer-lhe: “Desista enquanto há tempo!
A boa poesia é sempre muito difícil e a falha, assim como ao violino, é
imperdoável”.
Não surpreende
então que meu primeiro beijo tenha-me chegado em uma tarda noite aos 20 anos — por
iniciativa de uma garota de ideias cacheadas e com nome de pintura —, e durado
dois anos de um tempo que no próprio se encerrou, deixando-me largo
ensinamento: a melhor coisa do fim de um primeiro amor é descobrir ser possível
ter início um segundo, assim como também concluí-lo e partir para um terceiro
ou a um quarto. Tudo é questão de decisão. Para os mais românticos, os quase
religiosos, isso é demasiadamente herético, cabendo um protesto magatônico de eu
não saber de fato o que é amar ou ser amado. Sim, considero a possibilidade de
caber-me tal maldição do egoísmo, do desamor profundo e da esterilidade de um
coração ateu, embora compreenda que grande fosse esse amor não caberia nele a
vaidade ou afetação. Sabe-se lá se “l'amour n'est pas pour moi”, como
apontava-me uma amiga aos gritos de uma canção. É-se possível o maior amor do
mundo ser aquele do momento, sem tempo de mágoa, remorso ou ressentimento,
apenas brilho no peito livre de um tudo, mesmo de não caber na memória o rosto
da amada, posto tal chama viniciana, a levar, como sonho, por poucas horas, um
dia ou dois, ou tão contrário a si mesmo, como amor camoniano, por uma vida
inteira. Para mim, o amor anda de mãos dadas e é no beijo perfeito que devora o
seu espírito. Agora, sentado à janela a emoldurar um imenso céu estrelado que
não existe em minha vida, trago na pele o que vem de Drummond, o mesmo que me
matou em desastre: “Este o nosso destino: amor sem conta, distribuído pelas
coisas pérfidas ou nulas, doação ilimitada a uma completa ingratidão, e na
concha vazia do amor à procura medrosa, paciente, de mais e mais amor. Amar a
nossa falta mesma de amor, e na secura nossa, amar a água implícita, e o beijo
tácito, e a sede infinita.”
Amor
ResponderExcluirPudesse eu ter a força do amar,
Faria da vidraça meu painel.
Da vida só encanto e no farnel
Levava toda sorte em meu olhar.
A vida, enxurrada de emoções,
Nas letras todo amor e galhardia,
A solidão... Ah, nunca em mim valia,
Apenas partilhar cantos, rincões.
Formava nas palavras poesia
De amor, sem empecilhos dia a dia,
E no álbum os sonetos alforria.
Liberta sim coragem que se foi,
Levando a saudade, cobardia,
Voando feito pássaro albatroz.
Parabéns, Raymundo! Belo texto.
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