Sempre gostei desse verso de Paula Ney sobre Fortaleza. Tanto que resolvi
em algumas crônicas fazer gaiatices com ele. A “loira” foi carinhosamente
desmilinguida para “loirinha” e a “desposada” cruelmente metamorfoseada para
“desmiolada”, “destiorada”, “descabelada”, “desterrada’, “desbotada”,
“desancada” e outros mais.
Desde que deturpei pela primeira vez o famoso verso recebo reprimendas,
elogios, brincadeiras de leitores e colegas de escrita. Alguns mais carrancudos
me mandaram ler mais, que eu fosse conhecer o poema original de Demócrito
Rocha, outros educadamente (e sutilmente) me sugeriram que já haviam “topado”
com aquela frase em algum lugar; uns me corrigiam apenas mandando a cópia do
longo texto trabalhosamente copiado, vários me cumprimentaram pela sacada
“espirituosa” do uso do esplêndido verso de Antônio Sales.
Resignei-me e continuei a usar a brincadeira, sem maiores preocupações
com os puristas e/ou os brincalhões de plantão. Até que fiz uso de “A nossa
burrinha loura desmiolada pelo sol” em meu livro de crônica Fortaleza Voadora,
de 2007, e recebi a estranha mensagem de uma suposta correligionária (dessas
que saem da faculdade quase sem saber de nada e, de cabo eleitoral, são logo
alçadas aos muitos cargos comissionados que terrivelmente infestam os nossos
três poderes) me espinafrando por estar falando mal, usando até termos
“depreciativos”, de nossa prefeita Luiziane Lins. Não precisa dizer que ri
muito, depois respondi negando e confessando que até votei nela (a prefeita) e
previ (para a moça) que ela logo chegaria aos cargos mais alto dentro da
administração municipal.
Mas, pasmem!, com o passar dos anos comecei a ler minha inocente gaiatice
nas bocas (ou melhor, nas páginas) de outras pessoas. O saudoso Aírton Monte
vez por outra tascava a reles frase corrompida no meio de uma de suas
divertidas crônicas. O amigo Ricardo Kelmer a vive citando em palestras e até
em convites eletrônicos. Dia desses o contista-arquiteto Brennand Bandeira me
ligou perguntando se realmente aquela frase era “minha”, pois a vira numa ótima
página do Romeu Duarte (e o pior, diz ele, atribuída a outro), eu imediatamente
esclareço que não, dou a fonte original (e correta) e assumo apenas a peraltice
da deturpação. Até um anacrônico grupo de recitadoras de versos noite dessas
deu o vexame de citar erroneamente o glorioso verso durante um dos mil e
quinhentos lançamentos de livros mensais de nossa culta loirinha esfarrapada
pelo sol.
Claro que minha pouca vaidade jamais permitiria que eu me ofendesse pelo
uso indiscriminado do que foi apenas uma simples molecagem: a deturpação de um
importante símbolo de nossa cidade. Mas de vez em quando dá vontade de fazer
como aquele escritor que estava assistindo a uma palestra em que, lá pelas
tantas, uma ideia sua foi citado como de outro. E, mesmo sendo tímido, o
“verdadeiro autor da importante descoberta” se levantou da plateia e interpelou
o palestrante:
— Me desculpe, nobre amigo, mas esta frase não é de fulano de tal! Sei
que não estou sendo educado te interrompendo. Mas “esta” ideia é minha, e tenho
tão poucas que acho justo defendê-las com unhas e dentes!
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