O ano envelheceu cedo,
senhores, eventos de toda sorte foram apodrecendo suas vísceras, minando seus
frágeis alicerces.
A cidade envelheceu de
política e futebol, viveu mais de bastidores que de cenas, envelheceu nas
sombras, construiu em silêncio suas podres carnificinas.
O país envelheceu
devagarinho, com tanta lama à direita e à esquerda do surrado caminho.
Envelhecemos todos,
estupefatos com o fim esperado, longamente anunciado, engendrados em seus vis
maquinários.
Apodreci eu, por dentro e
por fora; cada tripa escondida no mais recôndito lugar: esconderijos de todas
as vergonhas minhas e dos outros, todos.
Apodreceram os inimigos
fartos em maldades e covardias. Apodreceram todos, como as demais coisas
esquecidas nos armários mais esquecidos.
Apodreceram os poetas
engalfinhados com as lutas mais vãs, mais comezinhas e fúteis, como brigas de
casais que nem sabem mais por que brigam essa briga em comum, mal sabendo que
são o fazem é o que lhes restam, como restos de peixes apodrecendo nas coxias
de uma calçada do subúrbio mais distante.
Apodreceram todos os
domingos, as segundas, as terças e quartas, as quintas e os poetas de quinta,
apodreceram as sextas, mas ainda restam luminosos (até quando?) os sábados.
Apodreceram os ladrões,
engravatados ou não, os donos de bares mal humorados pelo eterno fel que nos
servem impunes.
Apodreceram todos, enfim,
desta infame loirinha desmiolada pelo sol. Apodreceram os daqui e os que vieram
do interior. Apodreceram de sol e de sal.
Apodreceram,
principalmente, os que se encharcaram de perfume, de roupas caras, de livros
raros, de desculpas esfarrapadas...
Apodrecemos nós. Os
simples mortais deste lado de cá das mil e uma Aldeotas, dos seus vis e servis
clubinhos.
Apodrecemos e escorremos
sem fins pelos buracos dos trens subterrâneos que nossa insana arrogância cava
há séculos. Que nossa burguesiazinha sonsa cava há séculos, que nosso escroto
povinho cava há séculos...
Pois o ano envelheceu,
senhores, e apodrecemos todos na espera deste outro que bem já nos diz a que
vem!
O ano apodreceu,
senhores...
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