Não
lembro bem onde conheci o escritor Manuel Soares Bulcão Neto (e se não me
engano esta é a primeira vez que pronuncio seu nome assim, completo, e também
que o adjetivo de escritor), se na casa da amiga Ana Miranda, se no nosso covil
barulhento do Assis da Gentilândia. Lembro, sim, que com meia hora de conversa
já parecíamos amigos de infância, tamanha era a capacidade do nosso novo amigo
de nos deixar completamente à vontade.
Foi,
sem dúvida, a pessoa mais sem “frescuras” que conheci, mais sem “burrocracias”
para os nefandos protocolos da vida. De início descobrimos um traço em comum:
ambos “perdiam o amigo, mas não perdiam a piada”. Éramos muito parecidos em
nossas “pequenas e inofensivas crueldades”, ele gostava de ressaltar. Uma vez
me disse: “Mas você é mais cruel do que eu”, no que eu retruquei: “Apenas sou
mais grosseiro, rude. Você teve uma educação mais refinada... É um filósofo!”
Ele já ria, descobrindo em minhas palavras apenas uma gozação à sua condição de
filósofo autodidata.
Era
bastante gago e fazia dessa gagueira piadas, não nos dando, com isso, oportunidade
para que o “zoássemos” com brincadeiras. Mangava de si antes de nós. Aliás,
fazia piadas com tudo, principalmente consigo mesmo. Mas geralmente se dava mal
quando partia para as brincadeiras pela internet, infelizmente as palavras
frias e sem gestos que saiam do computador não tinham a simpatia que os seus
chistes inteligentes e bem humorados necessitavam. Mais de uma vez criou
pequenas (mas inofensivas confusões) com amigos, que logo eram resolvidas com
seu pedido de desculpas e a promessa de que nunca mais iria brincar com os
outros. Promessa que (sabíamos) não seria cumprida.
Tinha
uma doença rara (e grave), que ele parecia também não levar muito a sério.
Falava abertamente e até sentíamos certo “prazer” em discorrer sobre ela. Dava
detalhes, mostravas feridas nas pernas, zombava também dela, ante a nossa
incredulidade, o nosso espanto, o nosso medo. Fechava conversa dizendo que já
estava no lucro, pois os médicos lhe deram três anos de vida e ele já estava
com sete. Então comemorava (para alguns, mais pessimistas, suicidava-se) com
muito álcool, pó e fumaça...
Era
membro efetivo (mas principalmente afetivo) da corriola de amigos batizada pelo
Poeta de Meia-Tigela de “Poetas de Quinta”: vez por outra aparecia nas
barulhentas noitadas do Assis e ria muito quando eu afirmava, ante o protesto
quase unânime da turma sobre a zoada quase insuportável, ser ali o melhor local
para se discutir a literatura cearense. “Já que ninguém vai se entender mesmo”
ria ele, gordinho, míope, gago e feliz.
Prezado
Bulcãozim, eu queria apenas (com estas improvisadas linhas tortas) te dizer em
nome da cambada toda que você faz uma falta danada. Que com sua partida o nosso
mundo fica bem mais pobre, mais burro e principalmente mais chato. E para não
dar vazão a esse choro (que há semanas teima em querer sair dos meus, dos
nossos olhos) queria te confessar que não fui ao teu velório, nem ao teu
enterro, e ainda usei a tua missa de sétimo dia como desculpa para não ir a um
lançamento de livro: minha última “sacanagem” contigo, amigão!
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