Foto: André Martins, no "Encontro com o Escritor" do Cuca da Barra do Ceará
Nunca gostei ser chamado, ou às vistas, de intelectual.
Claro que o criar, como o escrever, é ação intelectual, pois de empregar mente
e espírito. Por outro lado, quando o intelectualismo prima da fria e crua racionalidade,
perde para mim toda a graça. Prefiro que me vejam "artista", como me gosta
sê-lo, mesmo apoucado, neófito,ou seja lá como for ou quiserem. A arte, cuja
matéria-prima é a palavra, esta sim, me toma do resto do ciumento mundo.
Os intelectuais, de forma geral, leem de tudo e escrevem sobre, discursam,
trocam ideias, confabulam, e pela humanidade da qual não escapam — embora uns ambicionem
emergir a ela em sobranceria estomacal — glorificam-se de deléveis vitórias em debates
cerebrais. Há quem precise deles, não resta
dúvida, mas longe de mim, dessa forma não sou e anuncio, resultando em estranhamento,
até em antipatia, por alguns a entenderem como arrogante o meu desapego à
honraria que sequer mereço nem faço questão.
Confesso: não gosto de ler de tudo; por das vezes,
escapo-me às leituras recomendadas. Dias há a desligar-me de todas as coisas do
mundo: política, economia, conflitos mundiais e violência — páginas de nunca ler
nem assistir, bastantes as de me chegar involuntárias.
Enfim, sou apenas assim, ligado a saber mais, e não só,
das coisas do âmago das gentes, de suas vidas corriqueiras, das coisas
engraçadas de não se rir, ou mesmo daquelas de se lascar de rir, mas de íntimas
humanidades, folhas de não se deixar levar ao vento.
Outros há que fazem pirotecnia da sua literatura. Escritores
de preferir — e precisar malsofridamente — o apavonado reconhecimento de intelectual.
Acham-se cultos, no sentido erudito — quase exclusivo — do termo, e escrevem
com monotonia ou ilegibilidade, em experimentalismos a acobertar-lhe a ausência
ou excessos de conteúdo pelo garimpo artificial do vernáculo. Curiosamente, se
enfurecem com o não reconhecimento de seus palavrórios a deixar o leitor a ver
navios, isto é, se inda conseguirem proporcionar ao menos esse deleite.
Sou livre, graças a Deus ou ao seu primo: não leio nada
que não seja do meu gosto. Dou-me sempre, porém, a chance de arriscar ou de
surpreender-me — felizmente, muito acontece. Não sou ensaísta, resenhista, nem
crítico. Leio por gostar e pouco me impressiona assinatura de autor. Na minha
simples, talvez ignorante, visão das coisas, conheci picassos que não deixaria enfear
as minhas paredes.
Acho lindo quem lembra e sabe de cor poemas inteiros,
frases pungentes, nomes de personagens e títulos de livro. Tenho vários amigos
queridos de ser assim. Adoro escutá-los e aprendo com eles. Eu, pobre
desmemoriado a não saber nem o número do próprio telefone, sem pressa de
publicar ou de me chegar onde não sei, por aqui, atrevo-me no perigoso direito
— quase um delito — de pensar alto e ler livros. Entre tantos, na primeira vez
de ler “Os Maias”, quanto mais mergulhava na trama, mais ânsias me tomavam.
Motivo? A obra precipitava uma conclusão. Passava dias a deixá-la quieta, de
canto, diante do temor de encarar o instante do cerro da quarta capa, tão
companheira e bela me era a sua leitura nos dias chatos, de quase todos,
enjoado que sou de um mundo inteiro a provar-me sempre que a ficção, enquanto
arte, é a única mentira digna de indulgência.
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