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(Monteiro Lobato rindo muito a pensar: "Mas será possível que nada mudou...")
Eu tinha 10 anos. Ia, por
semanas, a pé para casa, sob um sol cearense de meio-dia, economizando o
dinheiro do ônibus e da merenda, ansioso por visitar, nas Lojas Americanas, a
tentadora prateleira da editora Brasiliense. Nela, folheava um a um dos livros de
histórias da turma do Sítio do Picapau Amarelo. Na meninice, sentia-me acolhido
naquele pequeno mundo, produto da genialidade de um Monteiro Lobato, daqueles
que a nossa literatura pena, pensa e descobre: existe outro igual no mundo? Não,
nenhum. Para orgulho brasileiro.
Há algum tempo, porém, o
velho compadre Bento teve uma de suas obras censuradas — não gosto do termo,
mas só sei que foi assim — pelo caráter racista e antiecológico. A coisa não
parou por aí, questionaram não apenas a obra, mas se aproveitaram do momento
para tirar o recalque em cima do autor, arrancando-o cruelmente de seu tempo e,
na segurança do poder — alimentá-lo é um perigo — já estendem o olhar a outras
obras, como uma coletânea de contos, organizada recentemente por outro autor, proibida
de ser distribuída às escolas devido conter em alguns dos textos, segundo eles,
referência erótica e alusão às drogas.
Recentemente, me pediram para
escrever um texto infantil. Concluído, o Conselho Editorial, composto por
pedagogos, o recusou. A justificativa era simples: continha metáforas! Sim, metáforas.
“As crianças não iriam entender. Não poderia retirá-las, um pouquinho?
Retirando, publicamos.” Entendi, então, o porquê dessa enxurrada de literatura
pão-pão-queijo-queijo (infantil?), chatésima, monótona, desimaginativa, de uma
linearidade lógica que só empobrece a cabeça de qualquer um. Essa literatura
sem riscos, escrita a algemas, de vocabulário fácil, frases curtas, com
riminhas “que descem a rama pelo chão”, repleta de adolescentes rebeldes, ou didatismos
e moralismos imorais, meramente comercial, é que chega facilmente nas
prateleiras das escolas. Sim, deixemos de lado o Lobato e continuemos comprando
milhares de “Harry Potter” — aliás, em Hogwarts existe algum personagem negro? —,
muito mais simples, convenhamos, que encarar a literatura infantil de nosso
autor, um transgressor irreverente que muda a ordem das coisas, transforma as certezas
de um mundo pré-concebido e determinista pelo pensamento filosófico e
questionador da boneca de pano, Emília — se fosse a Barbie ninguém reclamava —,
seu alter-ego, a mostrar para as crianças que o mundo, assim como a vida, não
pode ser só isso ou pode ser qualquer coisa que nós quisermos. Não é à toa que
Lobato foi perseguido, preso, ridicularizado e ainda teve seus livros queimados...
Que perigo: fazia pensar! Não só pelo que escrevia, mas por tudo que havia no
que escrevia e pelo que representava. Este, talvez, o maior segredo de quem
produz, de fato, literatura.
Eles, togados ou não, paranoicos
defensores dessa censura disfarçada de lucidez e de boa intenção — da qual esta,
sim, o inferno está cheio —, acusam-nos sempre a necessidade da leitura
“atenta” para se perceber aquilo que, novamente eles, que não tiveram infância,
ou melhor, não tiveram oportunidade de conhecê-lo nela, são incapazes de
compreender — e de julgar: Monteiro Lobato escrevia para crianças, mentes
privilegiadas a não pensar nunca por essa lógica preconceituosa e racista deles...
ainda bem!
Eu, como milhares e
milhares de leitores dessa literatura lobatiana, juro: nunca saí queimando nem
batendo em negros — desculpem-me, quis dizer “afro-descendentes”, como eu — no
meio da rua, mesmo tendo lido, relido e sonhado com essa turma do Sítio.
Ademais, estou para ver uma negra tão mais querida em toda a nossa literatura
do que a amorosa Tia Nastácia.
Condenar a obra de
Lobato, para mim, é cuspir no próprio prato e ofender os leitores em geral,
julgando-os por baixo. Daqui a pouco, com mais leituras “atentas”, irão
censurar as “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, e paro por aqui para não dar
mais ideias a esses que, ou são mau leitores, nada entendem do fazer literário
ou precisam de férias.
Prezados Conselho
Nacional de Educação e Supremo Tribunal Federal, aproveitem: proíbam também as
novelas (eca!), os filmes do cinema, o teatro, os quadrinhos... Proíbam a
internet e as redes sociais, mas, se quiserem mesmo fazer um bom trabalho,
comecem a lutar pela melhoria da EDUCAÇÂO, da formação e remuneração dos
professores, e acabem de uma vez com os preconceitos raciais, de gênero, de
credo e a violência e a injustiça na sociedade da VIDA REAL, porque investir contra
a nossa indefesa literatura — num país de não-leitores — é pura covardia.
O maior absurdo do século! Imagina, se era preconceito, nós, meninas cearenses, nos tratar por "neguinha", umas às outras? Já a turma toda era "negrada"...era assim, na Fortaleza de 1950 e tantos...que eu me lembre! Sendo que a maioria era de meninas brancas, leitoras contumaz de Monteiro Lobato, o maior na literatura infantil de todos os tempos. Foi a primeira coleção que dei pro meu filho, na década de 1980...(relíquia)...
ResponderExcluirPura covardia...pura ignorância!
Presentão que você deu ao CLUBE DO LEITOR CCBNB, Ray Netto! Procuro há dois meses um texto com esse teor para discutirmos com o público próximo dia 19 aqui no Cariri. Você, que é um dos nossos autores já lidos e discutidos (com as calcinhas voadoras... rsrsrs) voltará para mais um debate caloroso.
ResponderExcluirO "politicamente correto" pode ser uma faca de dois "legumes". Mudando um pouco o foco do assunto... Texto de humor se faz rindo de quedas, micos, pobreza, avareza, excesso de magreza ou de gordura, etc. Mês passado tivemos q selecionar textos para um evento LITERÁRIO de humor e nos vimos no impasse. E podemos rir do outro?
É dificílimo SER ESCRITOR num mundo onde quase tudo é preconceito, racismo ou bullying. É uma linha tênue e não é fácil encontrar o equilíbrio. Mas precisamos tentar!
Grata pela contribuição!
PS: Em tempo, não precisa pedir desculpas por ser negro de pele branca. O sol (e a sombra) nasceram para todos!
Raymundão, você disse o que todos nós queríamos e muitas vezes não temos coragem (ou palavras?). Compartilho do seu pensamento: me diverti e aprendi com o "Sítio" de Lobato e, até que provem o contrário, sou bom filho, bom pai, enfim amo e respeito meu semelhante. O preconceito, muitas vezes, está na mente de quem faz essas críticas.
ResponderExcluirDas suas palavras faço as nossa.
ResponderExcluirNada mais verdadeiro.
Não se pode julgar uma obra pelo tempo de agora.
Análises mal realizadas e falta de discernimento e pesquisa trazem à tona esse tipo de pensamento.