quinta-feira, 19 de julho de 2012

"Coração de Bolso", Raymundo Netto (19.07)



O coração pulsava no seu bolso, via-se.

Tangia as cordas bicúspides e sangrava por dentro, passava num quase acreditar, num quase que morrer de amor. Vinha.

Debulhado em sonhos, postos com talheres à mesa, servido em ilusão cozida, ali, na hora, ao ponto de gritar a bulha rouca e derradeira.

O coração pulsava em seu bolso, o esquerdo, alto com listas vermelhas.
Era de dar dó, de dar ré e, não para trás, mi. Fá solar sem dó.

O coração lhe estava a pensar a vida, doente dela, apatiático, apertando o punho amargo de lembranças como a chuva, no sereno ciano de um céu de entrelinhas de papel.

No cardial desejo ruminava o vão do corredor da horta, e da porta, o trinco.

Gritava o grito mudo como estalo dos cascalhos largados no fundo mais profundo de seu esquecimento de não (mais) amar. Gritava ao mar.

As ondas respondiam-lhe sempre que não, enquanto o céu deitava em suas costas no horizonte expectante de uma tarde em solidão: Não!

As calçadas o guiavam na mosaicidade de passos e pensamentos, corpos enlevos de volúpias, corpos nus de alabastro, garatujas forrando papéis amarelos, deitadas em camas pequenas cobertas por colchas desfiadas por patas de gatos sonolentos.

O coração inda pulsava em seu bolso, numa incerteza arteriosa e dolente, absolvido de suas culpas venais, não tão suas, não tão duras, não tão quentes, envolventes e coisas e tais.

Maçado em seu ponto, o contraponto, o marcapasso e compasso, a sentença de sua costelação sem luz d’alva.

O sangue bruto vinha-lhe vermelho, a amiudar o amor mais de perto, tornando tintas as paredes e teto, os encanamentos e encantamentos, mole como doce do açúcar, molhado como beijo de saudade, inesquecível quanto bilhete marcando página de agenda.


Ah, e era então quando o coração calava o peito tão sincero, a ouvir de ela chegar, no zero, a ultrapassar a porta e o olhar, o sorriso derramando da boca, a voz do bom-dia, e a razão do incerto desse mundo a suturar seus cortes com fios de única alegria.

Um comentário:

  1. Lindo. Ferozmente apaixonante e lindo. Acho que tem de haver um bom motivo para esse tal pulsar...
    É bom talvez esse começo desconcertante da descoberta. Uma descoberta para muitos ainda desconhecida, é com um sorriso e um toque que desejaria sentir esse mesmo coração pulsar...

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