“— Ó Fortaleza, multidão de portas e
postes batendo com sua luz
adolescente no olho da eternidade!
Fortaleza de 300 mil bocas ardentes como o sol,
famintas de amor e tragos de farinha.
Fortaleza de prédios mal-acabados, espetando a noite furiosa e [redonda.
Fortaleza, avenida de neon, deslizando para todos os desejos.
Fortaleza, Bezerra de Menezes, seis mãos indo e voltando,
e uma dor viajando, num só sentido, no banco traseiro de um táxi,
para onde vamos?
Fortaleza, solidão escamosa, suor noturno, revelação.
EU TE PERCORRO” (Adriano Espínola)
adolescente no olho da eternidade!
Fortaleza de 300 mil bocas ardentes como o sol,
famintas de amor e tragos de farinha.
Fortaleza de prédios mal-acabados, espetando a noite furiosa e [redonda.
Fortaleza, avenida de neon, deslizando para todos os desejos.
Fortaleza, Bezerra de Menezes, seis mãos indo e voltando,
e uma dor viajando, num só sentido, no banco traseiro de um táxi,
para onde vamos?
Fortaleza, solidão escamosa, suor noturno, revelação.
EU TE PERCORRO” (Adriano Espínola)
“Às vezes chegava um estranho, alguém que se
infiltrava entre os automóveis, vindo do outro lado da pista ou das filas
externas da direita, que trazia alguma notícia, provavelmente falsa, repetida
de carro em carro ao longo, de escaldantes quilômetros.” (Julio Cortázar)
O poeta
cearense, residente há mais de uma década no Rio de Janeiro, Adriano Espínola
tem seu livro mais conhecido intitulado Taxi,
nele um casal faz um passeio “poético-afetivo” por Fortaleza, indo da Av.
Bezerra de Menezes ao “último motel da Praia do Futuro”; o belo livro (que já
se tornou, apesar do pouco tempo de publicação, um clássico de nossa
literatura) é da década de 1980 e, como já antecipara com seu Fala, Favela um pouco antes em relação à
temática social, inovou uma vez mais: levando nossa poesia para o espaço do caótico
do trânsito (e “trânsito” foi a palavra usada pelo poeta para nomear uma edição
desse citado Taxi junto com outro
livro seu, Metrô; mais precisamente Em Trânsito).
Pois
bem, se nosso poeta, em vez de escrever seu livro há três décadas, fosse
escrevê-lo hoje teria que desenvolvê-lo em, no mínimo, uns três volumes, para
percorrer o mesmo percurso “físico-poético”; ou até mesmo transformá-lo numa
saga ou, possivelmente, num livro de aventuras, pois percorrer qualquer
distância em nossa engarrafada capital hoje se tornou uma tarefa, mesmo para os
poetas habilidosos como Adriano, por demais penosa.
***
O
argentino Julio Cortázar, em um de seus contos mais conhecidos, “Auto-Estrada
do Sul”, descreve um kafkiano congestionamento em uma auto-estrada da França, a
década era também a de 1980.
A curta
narrativa antevia (algumas décadas antes) um dos problemas mais emblemáticos do
homem contemporâneo: o excesso de carros.
***
Transito
por Fortaleza há precisamente trinta e quatro anos, e nessas mais de três
décadas tenho acompanhado uma transformação tão brutal quanto essa do idílico
passeio de nosso poeta por uma fortaleza ainda bucólica mas já com “cheiro” de
gasolina da metrópole para o trágico pesadelo do argentino radicado em Paris.
A nossa
tragédia urbana no trânsito somente poderia ser representada por uma literatura
que beirasse o fantástico, ou o surreal...
***
Ao
pesadelo do trânsito nosso de cada dia, somaram-se outros e outros e outros
problemas, a violência campeia junto com a impunidade e a incompetência
governamental; na mesma via e, muitas vezes, na contramão. E a nossa parcela de
individualismo somente agrava: e haja automóveis nas ruas.
São
Paulo praticamente parou com seus 3,8 milhões de carros (por lá se estuda a
implementação de agora 2 dias de rodízio em vez de 1 e outras medidas drásticas);
Fortaleza ultrapassa 1 milhão, com perspectiva de 1,2 milhões já em 2015. De
toda essa tragédia fartamente anunciada pouco se tem feito de sério para
combater, prevenir o caos que por certo virá.
Aumentar
e enlarguecer ruas, criar novas vias, viadutos duplos, triplos etc., será
apenas render-se ao poderio individual, ao império do carro (qualquer família
classe-média remediada não quer ter somente dois automóveis, já pensa no
terceiro para o filho universitário). Tímidas ciclovias são criadas mais pra
demonstrar boas vontades administrativas; simples fazemos-de-conta-que-criamos-e-vocês-fazem-de-conta-que-acreditam.
Trens metropolitanos levam mais de uma década para serem construídos,
enterrando o dinheiro e a paciência do contribuinte.
Além da
mudança radical de mentalidade (o que já se vislumbra nos vários discursos) de
que o coletivo é mais importante que o individual; de que o transporte público
com qualidade é mais importante que a tentativa inútil de acompanhar o aumento
da quantidade de automóveis.
***
Enquanto soluções mais sérias (e definitivas) não são implementadas, urge
imediatas medidas: — Criação de “Vias Verdes” (onde seriam proibido
estacionamentos nos dois lados, com sinais computadorizados/sincopados, os
ditos ‘sinais inteligentes’, e com fiscalização séria e imediata, nas vias
principais); — Vias Azuis (onde se poderia estacionar apenas de um dos lados,
nas ruas secundárias); — Reuniões periódicas com colégios, construtores e
estabelecimentos comerciais para encontrar soluções para os “nós” no trânsito
causados por eles (multas pesadas, fiscalizações eficientes e investimento em
‘educação/informação’); — Destinação da arrecadação com as multas tão somente
em melhorias do trânsito (sinais, faixas, equipamentos etc. etc.) e ‘educação/informação’
do trânsito; — Criação de equipes de estudo permanentes (que não sejam
desmontados com as mudanças de governos), com profissionais especializados e ‘antenados’
com outros centros urbanos nacionais e internacionais.
Enfim, falta se iniciar — imediatamente — um trabalho sério, que se não
for pensado logo, planejado logo, executado logo: logo, logo estaremos literalmente
engarrafados.
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