Themístocles de Castro e Silva, Carlos D'Alge e Adísia Sá: "Debates do POVO"
A Ceará Rádio Clube, de João Dummar, na década de 1930, foi a pioneira da radiofonia cearense. É inegável o impacto que causou a sua chegada. É de imaginar que, antes do rádio, a imprensa letrada num Brasil contraditoriamente analfabeto era a fonte privilegiada de informação. O rádio democratizou o acesso a essas informações que, então, não precisavam mais ser lidas, e sim ouvidas, e melhor, de primeira mão, na hora, “fresquinhas”, ao contrário do que acontecia no meio impresso. Era crescente a influência e o alcance do rádio, fosse pelo acompanhamento de notícias e anúncios, fruição de músicas — regalos de minorias que podiam adquirir discos e vitrolas, participar de saraus em torno de pianos ou em teatros, etc. — de esquetes, novelas, programação infantil, dentre outros. A PRE-9, como era denominada, foi a terceira emissora brasileira a ter ondas curtas, um grande avanço tecnológico na época. Em seus estúdios surgiram novos artistas, músicos, locutores, comentaristas, noticiadores, enfim, era de lá que surgia e se desenvolvia o saber e o fazer do rádio no Ceará. Em 1944, porém, por motivos aqui já descritos, Dummar teve que vender a sua emissora a Assis Chateaubriand.
35 anos mais tarde, no dia 8 de junho de 1979, seria publicada no Diário Oficial da União a concessão para O POVO de instalação de uma estação de rádio em Frequência Modulada. Albaniza Sarasate e Demócrito Rocha Dummar comemoravam junto ao Grupo. Foi daí realizado um concurso para escolha do nome da emissora — Rádio Jornal das Multidões, Rádio Liberdade, Rádio Guarani... e O POVO FM, que, naturalmente, vingou.
Carmen Lúcia Dummar, ao regressar do Rio, onde concluíra curso de Comunicação na PUC, recebeu do irmão Demócrito a missão de implantar a tal rádio FM. Assim, visitou vários estados, e, na rádio Globo do Rio de Janeiro, conheceu Jaime Azulai, que se tornou autor do projeto de montagem da emissora. Em fevereiro de 1980 seria erguida a torre de rádio nos jardins do Edifício Demócrito Rocha, sede do jornal, onde também estavam sendo instalados os estúdios, e, em março, uma festa no Náutico comemoraria a novidade. Nela, a entrega do “Troféu João Dummar”, homenagem de O POVO a personalidades da radiofonia cearense, como Eduardo Campos, Paulo Cabral, João Ramos, Guilherme Neto, Rômulo Siqueira, José Pessoa de Araújo, Flávio Parente, Afrânio Peixoto, Neide Maia e Mozart Marinho. A FM do POVO 95,5 popularizou-se rapidamente. Com espaço reduzido para anúncios, era comum anunciantes na espera. No avanço das novidades, montou um estúdio especial na Volta da Jurema, “point” da cidade, ao lado do anfiteatro, onde fazia promoções, atendia o público, recebia convidados, como o latino-americano Belchior em apresentação para cerca de 4.000 pessoas. Pouco depois, em agosto de 1981, a Associação dos Diretores de Vendas do Brasil outorgou o título “Top Marketing” para a FM do POVO.
Ademais, Demócrito Dummar já anunciava nos corredores que algo maior estava para acontecer: A rádio AM do POVO. De fato, em 1982, Jaime Azulai chegou à cidade trazendo uma equipe. A ideia era montar uma emissora dinâmica, com muita prestação de serviços de utilidade pública, mas também com notícias, bom-humor, música e esporte. O público ouvinte teria que ser ouvido. Lá ele participaria: “Audiência fiel é audiência correspondida.” Foi quase um mês de treinamento, simulação “em off”, ajustes dos equipamentos de última geração e, assim, às 5 horas da manhã, de 25 de março de 1982, 60 anos depois da primeira transmissão radiofônica brasileira, entra no ar, na frequência de 1.010 quilohertz, o “bom-dia” do locutor Paulo Roberto, da rádio AM do POVO, “a companheira”: “Uma nova voz está ecoando, hoje, transmitida pelas ondas eletromagnéticas que se propagam no espaço celeste cearense.” Em breve, menos de seis meses, todos sabiam que ali estava sendo construída a “escola do rádio”, modelo a ser seguido, líder de audiência, tecnicamente equipada e com uma programação que concorria com as melhores emissoras brasileiras. Não mais tarde, os concorrentes locais passaram a copiar os formatos dos quadros e tentar contratar seus profissionais.
A equipe radiojornalística era inédita. Abastecia a rádio, ainda nas primeiras horas do dia, de notícias colhidas nas ruas — por meio de uma unidade móvel —, mas também por meio de agências nacionais e internacionais. Muitos dos grandes jornalistas e comunicadores que atuam hoje no Ceará passaram por essa redação.
As vinhetas eram assinadas por Dominguinhos, Lulu Santos e Lincoln Olivetti.
O público também reconhecia o diferencial da rádio e passou a frequentar os estúdios, coisa impensável naqueles tempos. Nos portões de O POVO, filas de ouvintes e fãs querendo ver de perto e conseguir autógrafos dos locutores e/ou artistas que vinham aos programas.
O nosso radialista-mor Narcélio Limaverde chegou a comentar, conforme afirma Nonato Albuquerque, “(a AM do POVO) deixou abismada a concorrência”. E não é para menos, pois antes dela, herança da ditadura, as rádios abriram mão da missão de informar, deixando a sua grade quase que completamente tomada por programação musical. Nonato continua: “(...) o vitrolão dominava e comunicadores eram obrigados só a dizer a hora e a identificação da emissora”.
Merece destaque o programa “Debates do POVO”, que surgiu inicialmente como quadro de encerramento de um programa da manhã. O “Debates...”, entretanto, tinha potencial e ganhou seu próprio espaço. Por ele passaram diversas pessoas, dentre as quais Carlos D’Alge, Themístocles de Castro e Silva e, mais tarde, Adísia Sá — que também foi diretora e a primeira ouvidora da rádio. O sucesso foi grande, audiência garantida e estendida para o programa que o seguia: a “Patrulha Policial”.
Aliás, fato curioso apontado por José Raymundo Costa: em 8 de novembro de 1984, cinegrafistas da BBC de Londres, realizando um documentário no Brasil, gravaram em seus estúdios o programa “Debates do POVO”.
Em 17 de fevereiro de 1984, com sucesso também na radiodifusão, Demócrito Dummar foi eleito e tomou posse da presidência da Associação Cearense de Rádio e Televisão (ACERT).
A AM do POVO, em maio de 1986, passou a transmitir em som estéreo, de alta definição, sendo a primeira do Norte e Nordeste do Brasil nesta categoria.
Com 31 anos de existência, a AM do POVO foi no Ceará, além da grande escola do rádio, a mensageira das grandes repercussões na cobertura da queda do avião da VASP em Pacatuba, do movimento “Diretas Já!”, da rebelião do presídio — que teve como refém D. Aloísio de Lorscheider —, da doença do Papa João Paulo II, da morte de Ayrton Senna, dentre outras. Fátima Abreu, atual diretora e criadora da programação da querida FM Assembleia, cita um momento de prestação de serviço quando lá trabalhava: durante a cheia de 1990, a rádio habilmente solicitou o auxílio do Sindicato dos Taxistas no mapeamento de ruas trafegáveis e de pontos comprometidos da cidade, conferindo enorme audiência e solicitações de ouvintes.
Em junho de 1986, Carmen Lúcia passou a residir no Rio de Janeiro — retornou mais tarde e montou a excelente FM Tempo 103,9.
Em 2013, o Grupo de Comunicação O POVO dá continuidade ao sonho de João Dummar, aposta no rádio, o “queridinho” dos veículos de comunicação. Melhor, o aprimora, conquistando novas parcerias e novos espaços de qualidade, hoje, apresentados por meio da Rádio Globo/O POVO AM 1.010, O POVO/CBN 95,5 FM (a única da categoria “All News” no Ceará) e da Calypso FM 106,7, emissoras que pulsam na frequência de O POVO.
Para saber mais: “AM do POVO: trajetória de uma rádio pioneira – 1982-2012”, da jornalista Adísia Sá, pelas Edições Demócrito Rocha.
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