sábado, 15 de junho de 2013

"No Escuro", conto de Vera Lúcia Morais (15.6)


No escuro, de olhos fechados e o sono não chega. Há quanto tempo estou assim, imóvel, tentando não pensar em nada... Duas horas? Nem sei... Súbito, ouço a porta de meu quarto se abrir e os passos de uma criancinha correndo para a minha cama. Joga-se e se encosta toda em mim, aconchegando-se. Apesar do susto, continuo imóvel. Lembro-me imediatamente de minha filha: era assim que ela fazia todas as noites. Mal ouso respirar. Logo a criança se afasta para a beira da cama e lá permanece. A porta se abre pela segunda vez e reconheço os passos de meu marido em direção ao banheiro. Minutos depois sai sem nada falar. Penso: voltou para a cadeira do papai onde gosta de dormir diante da televisão ligada, lá na sala. Não parece ter notado nada fora dos eixos. Acho que finalmente cochilei, mas logo abri os olhos. Ainda estava escuro, começando a clarear. Ninguém no quarto, somente eu e uma tremenda sensação de vazio. Senti um mal-estar de mundos sombrios, nas caladas da noite. Fui ao quarto de minha filha que estava pacificamente dormindo. Sentei na beirada da cama e ela, pressentindo minha presença, com a voz arrastada, perguntou: — Que foi, mãe? Eu respondi: Nada, você está bem? Acho que tive um pesadelo esquisito... Voltei à cena inusitada: sensações muito nítidas impregnadas em mim, como se conseguisse visualizar a cena, mesmo de olhos fechados. No dia seguinte, ainda abalada pela imersão dessa realidade absurda no meu real, comentei o fato com minha empregada. — Foi alma pedindo reza, dona Vera. A senhora rezou? Não, não rezei. Mas as imagens fantásticas e aquele susto estranho, irrompendo inesperado, me perseguem até hoje. Em que esferas do inconsciente levitei?

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