Paulo Sarasate: o alter-ego de Demócrito Rocha
“Guerra,
pois, à adaptação das estranjas. Peia
na literatura importada, cheirando à maresia. E fique somente o elemento
nacional, espontâneo, claro como as manhãs tropicais, atrevido como o gato das
selvas, bravio como o maracajá da pele pintada.”
Paulo
Sarasate, em Maracajá, maio de 1929.
Aquele
rapaz magro, de olhar inquieto, com apenas 21 anos, o Paulo Sarasate, a se apresentar
para trabalho com Demócrito, não era completamente um estranho. Filho de
Henrique e Júlia Jorge. Ele, músico; ela, professora. Aliás, seu nome vinha de
Pablo de Sarasate, violinista e compositor espanhol falecido justo no ano em
que nascia: 1908. Quando Demócrito sofreu a agressão de policiais, dois anos
antes desse encontro, recebeu em sua casa a visita solidária de diversas
pessoas, dentre elas a do maestro Henrique Jorge, que tocou seu violino, para
comoção geral dos presentes, fato gravado na memória da família do jornalista.
Paulo, na
época, cursava Direito. Em 1926, criou a revista A Farpa, juntamente com os colegas da Faculdade: Plácido Castelo,
Perboyre e Silva e Parsifal Barroso. Os artigos eram inflamados, provocadores,
exercendo oposição ao governador Moreira da Rocha, o mesmo autor da
represália contra Demócrito, valendo a prisão dos três rapazes.
Assim, no
dia 9 de janeiro de 1929, o cabeçalho de O POVO, ao lado do nome do diretor Demócrito,
trazia o de Paulo Sarasate, na função de “redator-secretário”. Segundo José
Raymundo Costa (1), Paulo não era apenas redator, mas “revisor, repórter,
noticiarista e diagramador”. Na época, jornalista era feito na redação, a
partir do exercício de um tudo. O próprio Paulo conta que chegou a ver
Demócrito, na falta de repórter policial, ligar para delegacias para colher
relatos de crimes. Ao contrário do fundador, Paulo era mais afeito às coisas da
administração, às burocracias, e passou a tomá-las para si, enquanto Demócrito ficava
mais livre para criar, mexer com “as gentes” e escrever, às vezes, colocando em
risco a própria liberdade e existência do jornal. Paulo abraçou a causa e se
tornou rapidamente o braço direito dele em O POVO. Foi ao lado de Sarasate que
Demócrito criou a sua ousada Maracajá
e escreveu o poema “O Rio Jaguaribe é uma artéria aberta”, que, segundo Moreira
Campos, “falou [o poema] por todo um povo. Foi um canto de dor e revolta,
elegia em voz uníssona e ardente de um Ceará dessangrado”.
Rachel de
Queiroz afirmou: “Com Demócrito seguimos quase todos, entusiasmadíssimos. E no
seu jornal estamos até hoje [1998], os sobreviventes desses setenta anos de
luta e glória. N’O POVO se formou Paulo Sarasate, o sucessor de Demócrito após
sua morte prematura, já então praticamente seu filho, condição que sacramentou
por amor, casando com a filha Albanisa.” De fato, ao ser convidado por Demócrito
Rocha para almoçar em sua casa, conheceu Albanisa, a filha mais velha. Creusa,
sabendo-lhe filho de quem era, logo o acolheu como da família.
Em 1930,
Paulo concluiu o Direito e, mesmo no jornal, assumiu a secretaria da Faculdade
de Direito. Posteriormente, foi Inspetor Federal e Procurador da Junta das
Sanções.
Em 1931,
juntamente com Alfeu Aboim, viajou para o interior cearense em campanha de
assinaturas como estratégia de expansão d’O POVO, importante momento de
progresso comercial da empresa.
Em 3 de
setembro de 1936, Paulo e Albanisa se casam no Rio de Janeiro — Demócrito
ocupava assento na Câmara Federal, na época, e só aceitava o casamento da filha
após a sua formatura. Voltaram a Fortaleza, em poucos dias, passando a viver na
rua Assunção, 20.
Fundou, com
Filgueiras Lima, em 1938, o Instituto, depois Colégio, Lourenço Filho. Também
em 1938, período de grande crise afetando a imprensa nacional, implementou outras
medidas de caráter profissional ao jornal, dentre elas, a criação dos “Anúncios Populares”
(“vinte palavras por 1$500 – pagamento à vista”). Essa nova organização fez com
que rapidamente se adquirisse novo maquinário, melhorasse o rendimento das
máquinas e a qualidade de trabalho, ao tempo que as práticas mais artesanais e
obsoletas eram, aos poucos, sendo substituídas pelas mais modernas. “Além do
mais, contribuindo para esse apoio havia a posição progressista do jornal,
sempre se harmonizando com aqueles anseios mudancistas, na qual se firmava a
liderança de Demócrito”(2).
Em 1942,
publicou uma coletânea de palestras difundidas pelos microfones da Ceará Rádio
Clube, cujo título era Porque devemos
combater o nazismo.
Com a morte
de Demócrito, em 1943, é ele a assumir a direção de O POVO, afastando-se apenas
temporariamente, ao assumir cargos públicos (foi deputado, governador e
senador).
Na
política, suas maiores contribuições foram na área educacional e dos esportes,
obtendo recursos para construção de ginásios e escolas profissionais na capital
e no interior, no impulso do desenvolvimento da Campanha Nacional de
Educandários Gratuitos, auxiliando na criação e aparelhamento da Universidade
do Ceará (atual UFC), além de prestar imensa contribuição para a criação da
SUDENE e do Banco do Nordeste.
Em 1956, diante
da rotina, a indesejável, de um governador, começou a sofrer problemas de saúde
que o fizeram renunciar. “Deixou o governo com a saúde abalada, com os bolsos
vazios, com a alma amargurada, com o espírito abatido”(3). Candidatou-se, porém,
em 1962, à Câmara de Deputados, e, em 1966, elegeu-se senador da República,
período em que recebeu o título de Doutor
Honoris Causa pela Universidade Federal do Ceará, por todo apoio oferecido
à instituição.
Em 1968, teve
que submeter-se a uma cirurgia na próstata, no Hospital dos Servidores do Rio
de Janeiro. Após a intervenção, conversava com visitas quando sofreu repentina embolia
pulmonar, falecendo. Seu corpo foi velado em Fortaleza, no Palácio da Luz,
atual sede da Academia Cearense de Letras. Depois foi levado ao cemitério São
João Batista, passando antes, para adeus final, na sede de O POVO, sendo
saudado pelo jornalista J.C. Araripe.
Seus restos
mortais repousam ao lado (sob uma mesma laje) de seu amigo e mentor Demócrito
Rocha.
Paulo e Albanisa nunca tiveram filhos.
Em tempo: em 1980, a Associação dos Professores
de Estabelecimentos Oficiais do Ceará/APEOC concedeu a Sarasate o título de
“Patrono do Magistério Público do Ceará”.
(1) Memória de um Jornal, 1988.
(2) José Alfredo de S. Montenegro, em Demócrito Rocha: o poeta e o jornalista,
EDR, 1989.
(3) Artigo do jornalista Luís Sucupira para O Nordeste.
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