quarta-feira, 30 de maio de 2012

"A geografia verbal de Raymundo Netto", Dellano Rios para o Caderno 3 do Diário do Nordeste (30.5)


Não faltam aqueles que tomem um lugar qualquer por um ser vivo. Com humores, personalidade, pensamento e sentimento. Muitos escritores trabalharam, obsessivamente, na recriação de seu berço - caso do polonês Bruno Schulz, do irlandês James Joyce e do mineiro Guimarães Rosa.

O cearense Raymundo Netto não chega a tanto. Contudo, ele também se atem a uma geografia - mas uma geografia distinta, não aquela feita de gente e de terra. A geografia que explora é, pois, a das palavras. Em seu novo livro, Os Acangapebas, que será lançado hoje, a partir das 19h30, no Plenário da Câmara Municipal de Fortaleza, ele constrói um lugarejo linguístico, que remete ao Ceará - em tempos e espaços múltiplos, a se entrecruzarem na busca de uma harmonia.

Os Acangapebas é um livro de contos, com a uniformidade de um romance. Raymundo Netto, aliás, já havia tencionado estes limites em seu trabalho anterior, o romance Um Conto no Passado: cadeiras na calçada, ganhador do I Edital de Incentivo às Artes da Secretaria da Cultura do Estado - Secult (2004). O novo trabalho também já coleciona dois prêmios, o Edital de Literatura da Secretaria da Cultura de Fortaleza - Secultfor (2007) e do Prêmio Osmundo Pontes de Literatura da Academia Cearense de Letras - ACL (2011).

A palavra real

Se a coleção de contos se assemelha a um romance fragmentado, tamanha a unidade de estilo e conteúdo das histórias ali contadas, também é necessário acrescentar à equação literária de Os Acangapebas a poesia.

Essa ligação, aliás, é sugerida pelo autor logo no início da obra, ao citar os versos do italiano Dante Alighieri, inscritos na entrada do Inferno, em seu clássico poema A Divina Comédia - "Lasciate ogni speranza, voi che entrate" (Abandone toda a esperança aquele que por aqui entrar", em tradução livre).

E como todo bom poema, fica a cargo do leitor encontrar uma resposta para o que é dito. Afinal, de que esperança o escritor espera que seus leitores abdiquem, antes mesmo de atravessar suas páginas? Para arriscar uma resposta (e, portanto, sem garanti-la), ficaríamos tentados a identificar, aí, uma antecipação do estado de ânimo de boa parte das histórias ali contadas.

Netto as costura com uma melancolia persistente. Não chega a explodir em tristeza ou qualquer outro estado de alma mais sombrio. Contudo, está ali, a escorrer por este e aquele episódio, em pequenos dramas que, tal qual pedras colossais, não podem ser removidos. Talvez seja por isso que Raymundo Netto tenha escolhido "Luzeiros" para abrir o livro. A história é exemplar nesta melancolia: um velho pescador, que sempre enfrentou o incomensurável oceano, não consegue enfrentar os problemas que o dia a dia lhe traz. Destacam-se, ainda, histórias como "Ode ao Amor e à Morte" e "O Circo".

Homenagem

O autor lança seu novo livro em um dia especial. Netto será homenageado, em sessão solene na Plenário da Câmara Municipal de Fortaleza, com a entrega da Medalha Boticário Ferreira - comenda instituída para premiar o mérito cívico do cidadão que, em Fortaleza, se distingue pela notoriedade do seu saber, relevantes serviços à coletividade, dedicado à causa do município. O escritor trabalhou na Secult na gestão Auto Filho (2007-2010) e na atual gestão, sempre em coordenadorias dedicas ao incentivo do livro e da leitura.

Mais informações:
Sessão Solene de entrega da Medalha Boticário Ferreira ao escritor; seguida de lançamento do livro "Os Acangapebas". Às 19h30, no Plenário da Câmara Municipal de Fortaleza (R. Thompson Bulcão, 830, Luciano Cavalcante). Contato: (85) 3444.8300

LIVRO
Os Acangapebas
Raymundo Netto
Fundo de Quintal
2012, 150 páginas - R$ 20

Um comentário:

  1. Olha Parabéns ein pelo post Netto. Fiquei até curiosa e ansiosa para ler logo seu novo livro. Sinto falta de bons romances e poemas próprios de nossa terra e pelas críticas que estão ai você está fazendo jus ao título de escritor. Parabéns novamente pelo prêmio e agora quero saber do livro!! Abraço

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