O escritor é um bom fingidor, finge tão completamente
que mente e só mente... Quem passa pela experiência da graça de conviver com
qualquer um desses indivíduos, os tais escritores, há de compreender exatamente
tudo que de já relatarei nesta crônica. Lembrando, por autopreservação, que o
ser “escritor” perpassa um caminho que vai do ser alfabetizado ao ser
encantado.
Tinha até decidido: não mais escrever sobre os “colegas”,
entretanto, traindo a mim mesmo, para não perder o hábito e como expiação de
meus originais pecados, teimo em fazê-lo. Mas que, por favor, ninguém me perdoe
por isso.
O escritor, senhores e senhoras, é um herói, uma vítima,
no sentido antropológico, logicamente por assim dizer, de suas próprias
ficções.
Assim, principalmente entre os poetas encontramos os
performáticos: os que gritam, cheiram e xingam mais do que escrevem. Aliás,
alguns ditos escritores chamam mais atenção não pela produção, quando se tem
uma, mas pela sujeira de seus trajos, pelo mau hálito — curiosamente esses
gostam de cochichar aos nossos ouvidos —, pelas axilas peludas — em mulheres,
claro — ou coisas desse tipo, ou simplesmente pela habilidade insuperável de
abrir barracos em mesa de bar, de ser inconveniente ou de pedir dinheiro
emprestado a fundo perdido.
Outros desfiam, em torturosas horas, detalhe a detalhe
de seu inédito romance. Anos há e esse romance interminável é o seu assunto preferido
de mesa de bar, a ponto de, não suportando mais, os amigos o aconselharem a
publicação de um áudio-book.
Temos os experimentalistas, falo dos bons, os que
conhecem aquilo que arrevesam, mas que acham incompreensível a incompreensão de
seu leitor a nada entender. Ora e era preciso?
Citamos agora aqueles tipos que anunciam viagem a
convite de palestra para os mais distantes países do mundo, porém, surpreendentemente,
os encontramos em supermercados em compras na madrugada ou em imperdíveis eventos
noturnos, de boina, sobretudo e com o pescoço em cachecol. Ainda pior é aquele
cujos vizinhos, também sabedores de tal convite de viagem, o estranham por trás
de barricadas em seu próprio apartamento, enquanto pregado à porta o bilhete
confirma: “Estou na Itália!”
Alguns se dizem completamente obcecados pela
literatura, leem os clássicos e escrevem o dia inteiro, visitam os blogues, assinam
periódicos, elaboram resenhas e ninguém sabe que existem, enquanto há aqueles
que escrevem pouco e ruim, leem só os vendáveis e publicam em quase todas das
nossas poucas editoras a título do bicho-papão da literatura infantil.
Temos aqueles que adoram editais e por eles estão
sempre publicando, enquanto há outros que detestam editais e por mais que
participem não ganham um.
Talvez os mais curiosos escritores sejam aqueles cuja
obra se resuma a única, sem passado nem futuro, aquela encomendada a alto custo
para ectoplásmica pena. Ou mesmo aquele que, no intuito de injustificada e
vaidosa autoproclamação e sem a possibilidade de vomitar sequer quadrinhas
infantis, escreva pesquisa inútil sobre calçadas, brasões, bandeiras ou
presídios e, a partir desse momento, passe a sonhar com o pescoço envergado por
medalhão de Academia.
Raymundo
Netto. Contato: raymundo.netto@uol.com.br
Todos são bizarros, mas o italiano leva a estatueta (risos).
ResponderExcluirNem todos apareceram, né? As blogueiras que gostam mais de gatos do que de gente e os cronistas lindos que são amigos de todas as horas...
Beijo despenteado, Ray!
Paula Izabela,devotei um tempo para os excêntricos. Ora se não se tem mais... rsrsrs Nem blogueiras nem cronistas lindos entraram, agora, mas quem sabe... Bj, também, despenteado.
ExcluirTem muita gente louca ao redor,mas a beleza da vida está nessa diferença de ser, de pensar e de estar.
ResponderExcluirAdorei! Gosto do seu jeito de escrever.
Beijos
Silvia Reis
E como tem, Silvia. Mas justamente por entender uma certa beleza nessa diferença é que escrevo sobre elas. Obrigado pela leitura e pelo "adorei!". rsrsrs Beijo grande.
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