“[...]
desprezado dos salões, encontrarei bom gasalhado na oficina, na choça, no seio
do povo; o operário entoará no trabalho estas canções, as crianças as repetirão
no lar e o veterano, o recrutado, o escravo, o oprimido... derramarão muitas
lágrimas ao escutá-las. E assim, cumprirei a minha missão.”
Foi
dessa forma que o poeta Juvenal Galeno (1836-1931) concluiu a “História deste
Livro”, uma espécie de apresentação do autor à volumosa obra Lendas e
Canções Populares que, em 2025, completa 160 anos.
Avaliando esse texto, vimos
que Galeno afirma ser a sua produção poética uma “missão”. Aos 29 anos, tal
qual o arquétipo do herói romântico, abraça essa causa com idealismo, sobejado
de emoção e se rebelando contra as convenções sociais que, na época, oprimiam –
e oprimem – os mais vulneráveis na sociedade, aqueles que seriam eternizados em
seu projeto literário: o escravo, o recrutado (da Guerra do Paraguai), o
jangadeiro/pescador, o vaqueiro, o operário, os trabalhadores, os analfabetos,
as mulheres, crianças e os velhos etc.
Importante destacar:
para cumprir essa tarefa, não se recolheu ao conforto do gabinete de sua casa no
aprazível cimo da serra de Aratanha. Ele, filho varão daquele que era um dos
maiores comerciantes de café no estado, decidiu ser a sua pena uma humilde exploradora,
movida pela curiosidade de trilhar a serra, o sertão e as praias em busca da
realidade do povo sofrido a quem dedicaria a sua obra: “Acompanhei-o passo a
passo no seu viver, e então, nos campos e povoados, no sertão, na praia e na
montanha, ouvi e decorei seus cantos, suas queixas, suas lendas e profecias;
aprendi seus usos, costumes e superstições, falei-lhe em nome da pátria e
guardei dentro em mim os sentimentos de sua alma. Com ele sorri e chorei, e
depois escrevi o que ele sentia, o que cantava, o que me dizia, o que me
inspirava”.
Para entender um pouco
sobre a envergadura dessa obra ímpar na Literatura Brasileira, imagine que ela
nasceu em pleno Romantismo: no mesmo ano, enquanto num berço encontrávamos a
jovem “Iracema”, de Alencar, noutro estava o título da musa popular de Galeno.
Ambos cearenses; obras completamente distintas.
Embora tenha cruzado
várias escolas literárias – quase completou 95 anos – e nunca tenha se afastado
da romântica, é interessante perceber as notas realistas encontradas em suas
canções, provando conhecer bem sobre as tintas com que pintava.
Lendas e Canções
Populares, impressa em tiragem pouco comum naqueles tempos, foi um sucesso
no Brasil, apresentando o ambiente, os costumes e essas personagens “nortistas”
tão exóticas para a corte no sul do país, merecendo uma série de “juízos
críticos” que lhe chegariam de diversas regiões brasileiras, assim como também
de Portugal, onde lusitanos se entusiasmavam com essas inspirações ingênuas –
como a de trovadores – do ainda muito desconhecido povo brasileiro.
Também viriam as
críticas, claro, e não poucas, que mereceriam nos próximos anos defesas
extensas de um Araripe Jr. e de Franklin Távora, entre outros grandes expoentes
literários, como o próprio Alencar.
Juvenal Galeno nasceu em
27 de setembro de 1836. Adorava comemorar seus aniversários, e talvez
por isso tenha vivido tanto. Mesmo cego, colecionando moléstias da idade, sem
praticamente descansar de sua rede, havia sempre um novo poema.
Nós, seus leitores e
leitoras, ganhamos de presente a sua história, a sua luta e a sua obra.
Parabéns, Juvenal
Galeno, que vivas na sua justíssima e legítima imortalidade.
Parabéns, excelente resgate!!!!
ResponderExcluirAgradeço a leitura.
ExcluirTexto impecável/Edna Bessa
ResponderExcluirObrigado, querida Edna.
ExcluirUma grande homenagem a um dos imensos da Literatura do Ceará.
ResponderExcluirNão tenha dúvida: Juvenal merece muito.
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