Comecemos essa boa prosa durante
o nosso habitual café da manhã esclarecendo uma dúvida que percebo nebular em
alguns: “a Praia de Iracema tem apenas 100 anos?”
Claro
que não! Durante toda a existência terrena, sabe-se lá Deus quando minou,
diante de tantos acidentes geomorfológicos, esse marzinho em nossa costa
desposada do sol. O que está sendo celebrado como centenário em 2025, na
verdade, é apenas a mudança da denominação antiga da região, “Praia do Peixe”,
para uma nova, “Praia de Iracema”.
E,
de fato e por lei, essa mudança aconteceu no dia 7 de maio de 1925.
Atentemos
que, até o início da década de 20, não se brigava para morar diante do mar. Ao
contrário, quem morasse ali, construía as suas casas de costas para a incômoda
e zoadenta seleção de ondas e coleção de areias.
Os
pescadores, sim, por uma questão muito lógica e prática, residiam por ali, em
casas humildes feitas de taipa ou mesmo em palhoças. Na praia, esses nativos
guardavam as suas jangadas e instrumentos de pesca. Naquela região, eram
procurados por comerciantes de feira ou mesmo por pregoeiros individuais que
compravam o fruto de seu trabalho. Ali mesmo os pescadores, quando preciso, tratavam
essa pesca. Isso, naturalmente, liberava um odor não muito agradável para os
novos veranistas da elite cafuçu cearense.
Daí,
chegou-se a um tempo em que aumentou o número de casas e bangalôs na região
litoral. Ter um imóvel de veraneio na praia passou a ser chique e saudável. Foi
quando começaram a achar ruim morar na Praia do Peixe.
O
Nordeste: vespertino de ação e informação católica,
um dos jornais mais conservadores e atrasados do estado, afirmou: “[...]
afinal, hão de todos convir que é de fato grotesco apelidar-se, assim tão
feiamente, uma das nossas formosas praias, habitadas pelo escol social
fortalezense, na época mais agradável do ano. [...] Aquela estação balnear, com
os seus confortáveis chalés de estilo moderno, requer, por certo, outra
denominação menos repulsiva.”
Não
era novidade: rico se incomoda com o pobre, não gosta de tê-lo como vizinho –
nem de vê-lo prosperar –, por isso surgiram os bairros de Jacarecanga, Aldeota
e agora a Praia de Iracema.
Maria
Adília Albuquerque de Moraes, uma das pioneiras feministas do Ceará, intelectual
e residente no local, na revista Ceará Ilustrado, de Demócrito Rocha e
Tancredo Morais (seu marido), também não gostava daquele nome e passou a chamá-lo
em seus textos, por conta própria, de Praia de Iracema, como em uma sutil campanha...
e pegou! Outros moradores se reuniram e pressionaram o prefeito da época. Como
argumento, a comemoração dos 60 anos de publicação da obra-prima de José de
Alencar, uma homenagem e tanto.
Naturalmente,
com a chegada desses novos elegantes moradores, os pescadores desapareceriam,
aos poucos, do cenário da ora bucólica Praia de Iracema.
Fato:
historicamente, não apenas em Fortaleza, as comunidades pobres litorâneas,
especialmente as pesqueiras, são ameaçadas por truculentas e covardes remoções,
vítimas da especulação imobiliária, mas ainda assim resistem na luta por seus
direitos territoriais, pela preservação de seus modos de vida e costumes
tradicionais e contra o racismo ambiental.
As
ditas “elites”, mancomunadas a governos não alinhados à justiça social,
pressionam, em nome de “seu progresso”, a essas comunidades. Oxalá que nós
todos estejamos atentos a essas “tenebrosas transações” e tomemos o devido
partido, quando for necessário, pois a vida de cada um nos importa!
Há dúvida de que o peixe morre pela boca? Se a boca é alheia passa-se de dúvida a certeza. E se essa boca tiver lábios de mel, a certeza é certa e doce. Entre beiços e lábios, têm prevalecido os lábios, sobretudo os de mel.
ResponderExcluirAinda bem, não é? rsrs
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