Quem andar pela
Padaria Romana ou curtir shows de bandas vintage, corre o risco mortal
de se encontrar com ele: Francisco José Jr., um homem reservado – a ponto
de parecer não estar ali –, de óculos, com extensa calva e usando camisas do Rock’E’rrou...
Decerto é o solteirão mais cobiçado... pelas caveiras! Sim, na cidade se comenta
a boca miúda que é ele o maior explorador de cemitérios do Ceará, quiçá, da
Terra das Palmeiras, e, sem dúvida, da Terra dos Pés Juntos, domínio sombrio
que a ele fascina e desafia.
Há
anos, o sociólogo, bacharel do Direito e servidor público traz no peito a
missão de peregrinar pelos umbrais do Cemitério S. João Batista, a estação que
une a vida e a morte, onde os espíritos se despem de sua inútil carcaça humana
em busca do significado da existência, da finitude de tudo e do nada... Entre
os cadáveres de sua predileção, os da Padaria Espiritual, que não descansam em
paz desde de seu chafurdo rotineiro, ainda mais depois da ereção do novo Café
Java da Marlene Matos.
Franzé
encontra esses despojos mortais, muitas vezes, pobres diabos entregues à
própria morte, em jazigos descuidados, depredados e deserdados, órfãos das
famílias. Emociona-se e, sensível como é, palestra com todos, e consegue vez ou
outra um “mecenas” que encampa a causa e os reforma, como aconteceu com o
túmulo de Antônio Sales e de Waldemiro Cavalcanti.
O
arqueólogo da necrópole já dessepultou 14 que estavam desaparecidos. Mas não se
limita a isso. É um obstinado. Em sua cruzada particular, sai à procura dos
familiares, seja em qualquer parte do país e no entorno do Planeta. Destrincha redes
sociais, liga, manda cartas e flores, mensagens em garrafas, sinais de fumaça, e-mails,
sobras intelectuais. Alguns familiares abordados negam parentesco, correm
horrorizados com coroas de alhos e cruzes a ver fantasmas, enquanto outros se
rendem a ele, buscam saber mais sobre aquele ilustre antepassado desconhecido e,
pior, intelectual, que, até então, deixara como única herança o seu código
genético caboclo.
Contudo,
Franzé também não tem paz. “O próprio viver é morrer”, lembra-se do Pessoa. É
cutucado por forças ocultas, provocado por elas. Os espíritos, como encostos, o
utilizam como canal para voltar, serem lembrados neste mundo e até publicar
livros, como aconteceu com Sabino Batista.
Um
dia, contou-me, encontrou o jazigo de Lopes Filho, membro da Padaria, autor de Phantos,
obra simbolista publicada meses antes da obra de Cruz e Souza, marco do
Simbolismo brasileiro. Contudo, com a mente nublada de horrores de outro mundo,
o pesquisador esqueceu completamente de sua localização. Porém, quando seus
olhos anoiteceram, “Ora (direis) ouvir estrelas!”, Lopes Filho apareceu para
ele, embriagado, com flor à lapela, à mão uma “branquinha”. Franzé ouviu, paciente,
o detalhado e trôpego percurso descrito pelo poeta. Na manhã seguinte, cumpriu a
orientação e encontrou a tal sepultura.
Também
conta que noutra noite a sua EXposa estava com a coletânea de “O Pão” –
informativo da Padaria Espiritual – às mãos, e pôs-se a ler um texto em
homenagem ao confrade Xavier de Castro, recentemente morto. Naquele momento,
como se proferisse uma liturgia macabra, as juntas dos mosaicos do chão estalaram
e, um a um, em torno da leitora, começaram a partir, como se o chão fosse abrir
e dele emergisse escorpiões, gafanhotos ou algo mais sobrenatural.
Agora,
Francisco José me diz estar às voltas com o Espiritismo... Quer mais? Sim,
conhecer os mistérios do além-túmulo, pois do aquém, confessa: “Já estou é
enjoado!”
Que encontro fatal para um simples... leitor! Sabe-se de escritor imortal; não se diz o mesmo de leitor. Mas até que o túmulo o abrace, o leitor terá encontros mortais de se rir __ embora nos cemitérios haja mais lágrimas que ossos __ como este promovido por Dom Netto. Que figuras! Sim, Dom Netto e Franzé são duas figuras sobrenaturais por seus fazeres. Mas as figuras que aqui chamo são textuais. Três delas me fizeram rir muito. A primeira: " ... o solteirão mais cobiçado... pelas caveiras! ". Ri porque o " Rock'E'errou ", as caveiras não. A segunda: " ... depois da ereção do novo Café Java da Marlene Matos ". Ri porque não imagino como se possa gozar em paz depois dessa ereção. A terceira: " ... deixara como única herança o seu código genético cabloco ". Ri porque o riso me parece uma moeda forte à altura do valor dos familiares que " .. buscam saber mais sobre aquele ilustre antepassado desconhecido e, pior, intelectual, que ... " lhes deixou tal herança. Na certa os herdeiros... Não digo; pelo menos vivo não. Depois de morto, dependendo do que nos possa trazer Franzé de suas incursões d'álem-túmulo... Mas pra que o d'álem se o d'áquem já nos dá tanto com que ir ao túmulo? Eu me dou por satisfeito por estas bandas com as aparições textuais de Dom Netto. Outros, das outras bandas, que queiram saber desse sabor risonho, que Franzé lhes faça saber! Dom Netto, tua herança será de outra ordem.
ResponderExcluirBravo! Bravo!
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