De repente, não mais, todo o Ceará ficou totalmente encharcado pelas
chuvas ditas/tidas torrenciais, a coisa começou no dia do índio, quem sabe o
motivo não teria sido alguma pajelança digital já que fumaças hoje, de fé, só
as há no Vaticano, mesmo assim de tempos em tempos, em tempestades mais
divinais. É que São José havia batido fofo, roído a corda, não cumpriu o
prometido equinocial e, resultado, umas migalhas d’água aqui e acolá, Cariri e
Ibiapaba; no geral deixando tudo verdinho, certo, no entanto com o gado
morrendo sobre o tapete verde dessa arena terrível prenunciando a ausência da
safra tão necessária.
E na dita noite, então, despencou na capital e adjacências uma baita
chuva de responsa, acompanhada de trovões raivosos e ensurdecedores; relampos
que iluminavam o quarto de telha vã pelas duas peças de vidro, o aguaceiro
borrifando respingos pelo recinto como outrora os padres espargiam água benta
pelos vãos catedrais. E tomara que continue assim, talvez até seja nova tática
celestial, já que o planeta está mesmo de ponta cabeça, que o digam tremores de
terra, ondas gigantes, altíssimas temperaturas, açudes esturricados aqui,
inundações nefastas alhures.
Fico a pensar se as famosas secas dos sete, a antológica do quinze, e
mesmo a recente (?) do cinquenta e oito, foram mesmo essas calamidades tão
propaladas nos cordéis, nos compêndios de história, nos livros de ficção.
Naqueles tempos as comunidades eram bem menores, a população reduzida, os
próprios rebanhos diminutos. Mal comparando, assim como o tal dilúvio
universal. Dois rios bestas inundaram, o Tigre e o Eufrates, a Mesopotâmia, o
único pedaço do planeta habitado nas priscas eras ficou debaixo d’água. Como
acontece frequentemente com a ilha lá de Santana nas grandes cheias. O mundo
habitado ficou submerso, o mundo de Noé acabou. Mas isso lá são elucubrações de
quem não tem assunto para uma crônica chinfrim e lança mão do velho artifício
de encher linguiça e a paciência do leitor.
Bom, é possível que quando o distinto apreciar estas mal-traçadas tudo
já tenha retornado ao anormal, quer dizer, haja passado a chuva e tenha voltado
o calor e a lamúria. Essas enchentes esporádicas tem o sentido daquela anedota
das duas faces da medalha: a notícia boa e a ruim. A boa: o gramado da Arena
Castelão e do Presidente Vargas não mais dependerão dos favores da Cagece. A
ruim: a Presidente Dilma voltará com os alforjes abarrotados de reais pensando
com seus botões vermelhos, “esses nordestinos tão é chorando de barriga cheia”.
No entanto, diante de tanto transtorno e decepção confiaremos de novo em
José, o operário, que é reverenciado neste primeiro de maio, dia do
trabalhador. Que se façam preces e procissões mas com certa parcimônia e
prudência, evitar portar enxadas, foices e outros instrumentos agrícolas porque
senão o cortejo, por mais bem intencionado, pacífico e santificado que
pretenda, seja confundido com uma manifestação dos irmãos do MST e aí vai tudo,
literalmente, de água abaixo.
É possível até que pare de chover em definitivo ao encerramento dessas
divagações que serão publicadas de qualquer maneira mesmo em tempo seco. E se
continuar a chover, alvíssaras, é a confirmação de que o inverno mudou de rumo,
para nós cearenses não mais começará no dia de São José, 19 de março e sim no
dia do índio, 19 de abril. Seja ele Cariri, Tremembé, Caratriú, Guanacé,
Tupinambá, Pacaju, Quixelô, Genipapo, Quixeramobim, Icó, Anacé ou Canindé. Tudo
é válido para reverter essa seca declarada em um inverninho pelo menos
remediado. Que possa botar feijão e milho na panela do pobre e um peixinho como
mistura. E que não esqueçamos de fazer uma peteca com a palha verde e jogar nas
tardes escuras espantando tanajuras. Como nos invernos fartos dos nossos
bisavós.
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