sexta-feira, 26 de abril de 2013

"Esse Chove-Não-Molha", crônica de Audifax Rios para O POVO (26.04)



De repente, não mais, todo o Ceará ficou totalmente encharcado pelas chuvas ditas/tidas torrenciais, a coisa começou no dia do índio, quem sabe o motivo não teria sido alguma pajelança digital já que fumaças hoje, de fé, só as há no Vaticano, mesmo assim de tempos em tempos, em tempestades mais divinais. É que São José havia batido fofo, roído a corda, não cumpriu o prometido equinocial e, resultado, umas migalhas d’água aqui e acolá, Cariri e Ibiapaba; no geral deixando tudo verdinho, certo, no entanto com o gado morrendo sobre o tapete verde dessa arena terrível prenunciando a ausência da safra tão necessária.
E na dita noite, então, despencou na capital e adjacências uma baita chuva de responsa, acompanhada de trovões raivosos e ensurdecedores; relampos que iluminavam o quarto de telha vã pelas duas peças de vidro, o aguaceiro borrifando respingos pelo recinto como outrora os padres espargiam água benta pelos vãos catedrais. E tomara que continue assim, talvez até seja nova tática celestial, já que o planeta está mesmo de ponta cabeça, que o digam tremores de terra, ondas gigantes, altíssimas temperaturas, açudes esturricados aqui, inundações nefastas alhures.
Fico a pensar se as famosas secas dos sete, a antológica do quinze, e mesmo a recente (?) do cinquenta e oito, foram mesmo essas calamidades tão propaladas nos cordéis, nos compêndios de história, nos livros de ficção. Naqueles tempos as comunidades eram bem menores, a população reduzida, os próprios rebanhos diminutos. Mal comparando, assim como o tal dilúvio universal. Dois rios bestas inundaram, o Tigre e o Eufrates, a Mesopotâmia, o único pedaço do planeta habitado nas priscas eras ficou debaixo d’água. Como acontece frequentemente com a ilha lá de Santana nas grandes cheias. O mundo habitado ficou submerso, o mundo de Noé acabou. Mas isso lá são elucubrações de quem não tem assunto para uma crônica chinfrim e lança mão do velho artifício de encher linguiça e a paciência do leitor.
Bom, é possível que quando o distinto apreciar estas mal-traçadas tudo já tenha retornado ao anormal, quer dizer, haja passado a chuva e tenha voltado o calor e a lamúria. Essas enchentes esporádicas tem o sentido daquela anedota das duas faces da medalha: a notícia boa e a ruim. A boa: o gramado da Arena Castelão e do Presidente Vargas não mais dependerão dos favores da Cagece. A ruim: a Presidente Dilma voltará com os alforjes abarrotados de reais pensando com seus botões vermelhos, “esses nordestinos tão é chorando de barriga cheia”.
No entanto, diante de tanto transtorno e decepção confiaremos de novo em José, o operário, que é reverenciado neste primeiro de maio, dia do trabalhador. Que se façam preces e procissões mas com certa parcimônia e prudência, evitar portar enxadas, foices e outros instrumentos agrícolas porque senão o cortejo, por mais bem intencionado, pacífico e santificado que pretenda, seja confundido com uma manifestação dos irmãos do MST e aí vai tudo, literalmente, de água abaixo.
É possível até que pare de chover em definitivo ao encerramento dessas divagações que serão publicadas de qualquer maneira mesmo em tempo seco. E se continuar a chover, alvíssaras, é a confirmação de que o inverno mudou de rumo, para nós cearenses não mais começará no dia de São José, 19 de março e sim no dia do índio, 19 de abril. Seja ele Cariri, Tremembé, Caratriú, Guanacé, Tupinambá, Pacaju, Quixelô, Genipapo, Quixeramobim, Icó, Anacé ou Canindé. Tudo é válido para reverter essa seca declarada em um inverninho pelo menos remediado. Que possa botar feijão e milho na panela do pobre e um peixinho como mistura. E que não esqueçamos de fazer uma peteca com a palha verde e jogar nas tardes escuras espantando tanajuras. Como nos invernos fartos dos nossos bisavós.

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