Quando concluí a leitura de Coisas
Engraçadas de Não se Rir, de Raymundo Netto, uma frase de Nelson Rodrigues
me veio à cabeça, meio destroçada, é certo, mas o sentido estava ali dentro
daquelas histórias. Fui me certificar com a IA se a autoria era dele e pimba!
Era mesmo: “o moralista é um cínico disfarçado”.
O título, muito bem elaborado, já
indica que teremos leituras paradoxais entre o que vem a ser engraçado e a
desgraça humana. Aquilo que culturalmente não é aceito pela sociedade
conservadora é disfarçadamente aceito sob olhos com espasmos de miopia. Desse
modo, Raymundo Netto, de modo muito peculiar, à Nelson Rodrigues,
nos joga na cara estruturas sociais que, apesar das transformações ocorridas ao
longo do tempo, ainda permanecem lá, sólidas, resistentes e, muitas vezes,
violentas.
Dadivosa, Bigode, Eudócia e Ozires
Filho são personagens fictícios, mas que andam por aí: em bares, em mercados,
em igrejas, em escolas e em...prostíbulos. Caso a gente frequente um desses
lugares criados pela civilização burguesa, certamente nos deparamos com eles e
elas, mesmo usando nomes diferentes para se disfarçarem e andarem por aí, impunemente,
alheios às críticas dos hipócritas de plantão. E sorvendo os seus desejos mais
íntimos, daqueles que a gente não admite nem diante do espelho.
Assim como em Nelson Rodrigues,
Raymundo Netto tem a coragem de colocar as mulheres em papel de protagonistas,
sem medo e dispostas a arcar com as consequências de suas escolhas diante de
homens abobalhados, como aqueles criados pela avó. Não vou negar que torci por
elas, entre risos e franzir de testa.
“Nerds” me tocou profundamente, quando
ele faz uma narrativa forte, utilizando-se, de certa forma, do realismo
fantástico. Muito me lembrou de um conto meu (“O Super Kaká”), mas com final
diferente. Trouxe à cena, o sofrimento daqueles e daquelas alcunhados de
esquisitos por uma sociedade que teima em ser linear.
Coisas Engraçadas de Não se Rir é uma obra que não tem marcação de
tempo, mas de modus vivendi de
pessoas reais, que vagam entre o aprisionamento e a liberdade de ser o que se
é, sem as máscaras sociais que comumente usamos para poder sobreviver.
“A arte é a mentira que nos ajuda a ver
a verdade.” (Nelson Rodrigues)
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