sábado, 4 de outubro de 2025

"O Nelson Rodrigues que Habita em Nós", por Beny Barbosa


Quando concluí a leitura de Coisas Engraçadas de Não se Rir, de Raymundo Netto, uma frase de Nelson Rodrigues me veio à cabeça, meio destroçada, é certo, mas o sentido estava ali dentro daquelas histórias. Fui me certificar com a IA se a autoria era dele e pimba! Era mesmo: “o moralista é um cínico disfarçado”.

O título, muito bem elaborado, já indica que teremos leituras paradoxais entre o que vem a ser engraçado e a desgraça humana. Aquilo que culturalmente não é aceito pela sociedade conservadora é disfarçadamente aceito sob olhos com espasmos de miopia. Desse modo, Raymundo Netto, de modo muito peculiar, à Nelson Rodrigues, nos joga na cara estruturas sociais que, apesar das transformações ocorridas ao longo do tempo, ainda permanecem lá, sólidas, resistentes e, muitas vezes, violentas.

Dadivosa, Bigode, Eudócia e Ozires Filho são personagens fictícios, mas que andam por aí: em bares, em mercados, em igrejas, em escolas e em...prostíbulos. Caso a gente frequente um desses lugares criados pela civilização burguesa, certamente nos deparamos com eles e elas, mesmo usando nomes diferentes para se disfarçarem e andarem por aí, impunemente, alheios às críticas dos hipócritas de plantão. E sorvendo os seus desejos mais íntimos, daqueles que a gente não admite nem diante do espelho.

Assim como em Nelson Rodrigues, Raymundo Netto tem a coragem de colocar as mulheres em papel de protagonistas, sem medo e dispostas a arcar com as consequências de suas escolhas diante de homens abobalhados, como aqueles criados pela avó. Não vou negar que torci por elas, entre risos e franzir de testa.

“Nerds” me tocou profundamente, quando ele faz uma narrativa forte, utilizando-se, de certa forma, do realismo fantástico. Muito me lembrou de um conto meu (“O Super Kaká”), mas com final diferente. Trouxe à cena, o sofrimento daqueles e daquelas alcunhados de esquisitos por uma sociedade que teima em ser linear.

Coisas Engraçadas de Não se Rir é uma obra que não tem marcação de tempo, mas de modus vivendi de pessoas reais, que vagam entre o aprisionamento e a liberdade de ser o que se é, sem as máscaras sociais que comumente usamos para poder sobreviver.

“A arte é a mentira que nos ajuda a ver a verdade.”  (Nelson Rodrigues)




 

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