sábado, 21 de junho de 2014

"Vingança Pela Raiz", crônica de Raymundo Netto para O POVO nos 5 anos de AlmanaCULTURA


Em Mumbai, na Índia, em 2013, um partido  distribuiu milhares de facas a mulheres
 para que elas se defendessem de possíveis agressores, após o caso de  estupro coletivo de uma estudante.

Publicado em O POVO, pela primeira vez, em outubro de 2011.

Muito bem, estávamos em maio. Era o Dia Mundial sem Tabaco. Na televisão, no rádio, nas praças, era só no que se falava: Dia Mundial sem Tabaco!
No Brasil, as campanhas antitabagísticas rolavam soltas, adeptos à ruma, mas em Bangladesh, país conhecido pela presença de grandes acidentes naturais, como ciclones, por exemplo, creio que não, pois foi num repente rodamoinho que nos veio a notícia:
Um cidadão, Mozammel, pai de cinco filhos, certo de sua doçura, há cerca de seis meses arrastava asas a uma pós-balzaquiana mulherinha dos arredores. Gentilezas para cá, safadezas para lá, justo no alarmado Dia Mundial sem Tabaco, o desavisado decidiu empreender sua campanha a favor da criatura de seu desejo.
A bengalesa Monju, vítima do seu desajeitoso assédio, há muito desconfiada das intenções do vizinho, dormia, vejam só, não com uma bengala, mas com um facão embaixo do travesseiro. Assim, foi o esperançoso, certa fria noite, invadir-lhe a alcova a apresentar-lhe o pretensioso “buquê” e ela “Dá cá!”, o tomou de assalto, à arma branca, guardando-o, mais que depressa, num saquinho de bodega, desavisada ela também do dito: “a paz se faz pelas mãos das mulheres”.
O coitado inda gemia à falta de sua ferramenta amorosa quando a criatura soleirava à porta da delegacia, prestando queixa, prova na mão, como antes o queria o agressor, mas não exatamente dessa forma.
A polícia horrorizou-se: nada mais cabal!
O sujeito foi parar, claro, no hospital, insultando a mulherzinha de um tudo, menos de vaca, pois esta, naquelas bandas, é sagrada. Por lá, nada a fazer, a não ser a espera da providência divina ou a inscrição eterna no sindicato dos eunucos. Enquanto estivesse em recuperação, a justiça terrena — e masculina —, solidária à dor, o preservaria, mas saísse do leito, seria de prestar depoimento, responder em juízo e recluso pela abobalhada e fracassada tentativa de estupro.
Não haveria como negar, sabiam todos, a evidência maior — e não tão grande — estava ali, troféu de caça da bengalesa faladeira que já espalhara pela vizinhança toda, batendo no peito magro e caído: “Aquele ali, ó, nunca mais se dá ao enxerimento, negrada”.

Pois é, leitores tímidos, leitoras desforradas, não é que aquela mulher, supostamente tão indefesa, num ato vanguardista reinventou a pena de Talião, onde a vingança é a melhor forma de perdão, não somente matando a cobra, mas também mostrando o pau?

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