quarta-feira, 14 de novembro de 2012

"Seremos nós, apenas nós, os babacas?", crônica de Raymundo Netto para O POVO


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Foto: José Mendonça (engenheiro e irmão de escritor)

Desde que começamos a divulgar a ausência de oferta das disciplinas de Literatura Cearense I e II no curso de Letras da Universidade Federal do Ceará, o que é um FATO, não nos interessando a situação exposta pela Coordenação do Departamento de Literatura, mas as razões que levaram a ela – e que a coordenadora juntamente com a direção da instituição certamente deverá tentar resolver –, começamos a ouvir alguns indivíduos, inclusive do “meio”, dizerem que isso é uma grande bobagem, que não existe razão para se falar em literatura cearense, quiçá uma brasileira, ou que a boa literatura se sustenta sem precisar “dessas coisas”. Pois bem, afirmo, categoricamente, que esses tais ou são muito ingênuos, mal-intencionados ou uns babacas de carteirinha que não sabem o que dizem nem para que lado se torce um parafuso.
Olhem, que engraçado: o meu irmão, chegando ao aeroporto de Recife, encontrou, no meio do amplo saguão, um quiosque-vitrine onde se lia “Leia Livros Pernambucanos: Movimento em Defesa do Livro e do Autor Pernambucanos”. No interior do quiosque, uma pequena mostra de sua produção.
Lembrando: quando trabalhava na Secretaria da Cultura, perguntaram-me se poderia ir à cidade de Granja, terra natal do padeiro Lívio Barreto, para lançar o seu póstumo “Dolentes”, marco do simbolismo no Ceará. Fiquei eufórico pela oportunidade de falar sobre o malfadado autor e apresentá-lo em seu próprio berço. A maior parte do público nem sabia que livro era aquele e qual a sua importância. Da mesma forma, deparo-me vulgarmente com a falta de conhecimento dos alunos (e professores) dos cursos de Letras sobre autores locais. Entretanto, impressiona-me ainda mais perceber o quanto eles ficam encantados quando falamos sobre as “novidades” desta literatura que eles, julgam, deveriam saber. Há esperança nos jovens desenvenenados!
Há bem pouco tempo, a Universidade Federal do Ceará, esta mesma, numa ação inédita, elencava títulos de autores cearenses para o vestibular. Como essa fábrica, a do vestibular, funcionava bem, logo centenas e centenas de alunos os liam e queriam conhecer de perto os seus autores: Pedro Salgueiro, Airton Monte, Angela Gutiérrez, Natércia Campos, Eduardo Campos, Ana Miranda, Linhares Filho... Conheci esses alunos nessa época. Percebia com entusiasmo a admiração desses jovens. Daí compreendi o grande feito da Universidade: provara que era possível se ler a produção literária local e, mais, se gostar dela! O vestibulando, ao encontrar nossos autores, tinha os olhos brilhantes, emocionados. Tremia na hora do autógrafo. Pedia aos colegas para que tirassem aquela foto.
O mesmo, felizmente, acontece nas salas de aula da disciplina de Literatura Cearense do escritor Prof. Batista de Lima, na Estadual, onde há anos ele prioriza a leitura de autores cearenses vivos. Apresenta-os aos alunos, distribui livros, convida para lançamentos, incentiva e os acompanha. É um grande trabalho feito sem necessidade de holofotes, mas cujo resultado é assistido e aprovado por quem reconhece a importância do gesto de nosso Batista. Também na UECE, a Profa. Sarah Diva Ipiranga arrasta diversos alunos na peregrinação em busca de nossos autores esquecidos, como quase todos o foram por muito tempo e ignorância. Assim também posso dizer das professoras e escritoras Aíla Sampaio e Hermínia Lima e, felizmente, tantos mais.
Do nosso lado, aplaudimos programas como o “Papo Literário” da TVC, sob o comando da Landinha Markan e Mônica Silveira, que promove e divulga os escritores e suas obras, independentemente de sua notoriedade social. Caso raro. Também, há algum tempo, a professora, radialista e grande leitora, Lílian Martins, entrevista com habilidade, competência e amor os autores cearenses, provocando-os e divulgando o melhor de suas obras no “Autores e Ideias”, da FM Assembleia. O “Bazar das Letras do SESC”, programação mensal cujo entrevistador, e também escritor e leitor crítico, Carlos Vasconcelos, abre um espaço valoroso de divulgação de autores cearenses por meio de um bate-papo acolhedor, sempre acompanhado pelo “Abraço Literário”. O “Templo da Poesia”, movimento iniciado pelo poeta Italo Rovere e que já vem arrepanhando tantos outros em seu “Palco Aberto”, reunindo anônimos e renomados em torno da música e da literatura. Outras, muitas, são as iniciativas voluntárias de difusão da literatura cearense e da produção literária local.
Infelizmente, também são muitos os que proclamam fazer algo pela literatura, pelo livro e pela leitura, mas na realidade são fraudes, lançadores de fumaça, uns interesseiros, buscando vantagens pessoais, falando por si, presentes apenas em momentos políticos, festejos sociais, com candidatos e estátuas a tiracolo, falando em nome da ordem coletiva – geralmente ausente – para justificar seu brado isolado e oportunista.
Por ora estamos aqui, diante do Centro de Eventos, gritando vivas para uma anônima Padaria Espiritual. Ela, apenas um traço moleque de tudo quanto ainda temos a descobrir.
Que se queime a orelha dos babacas: se nós não criarmos meios e condições de se conhecer a nossa literatura, não serão os paulistas, nem os cariocas, menos os baianos que o farão, visse?

2 comentários:

  1. olá Raymundo Netto! Sou aluna do Batista de Lima, na UECE, onde você participou de um seminário sobre seu livro, "Os Acangapebas"(que por sinal, PRECISO ler, pois fiquei encantada!). O que eu posso dizer, como aluna e como amante de literatura, é que eu estou maravilhada com um mundo (pasmemos) desconhecido para mim. Autores como Raquel de Queiroz, José de Alencar, Antônio Sales, e outros clássicos da Literatura Cearense e Brasileira, são bastante conhecidos por nós, mas é claro, nunca é demais para um graduando em Letras conhecê-los mais e mais. No entanto, o que me encantou nessa disciplina, e principalmente, na metodologia (se é que eu posso chamar assim) do prof. Batista foi justamente o fato de ele nos apresentar tantos autores maravilhosos e contemporâneos, que estão aqui na cidade, produzindo, vivendo e vendo o tempo que a gente vive e sente. É meio estranha essa sensação que eu tinha de que os grandes autores estão distantes, como se houvesse um tempo, lá no passado, em que se fazia boa literatura, e que não existe mais. É ainda mais assustador pra mim saber que Flávio Paiva, um desses grandes escritores cearenses, é de Independência, cidade da minha família, onde morei dos 11 aos 16 anos, e que eu só o conheci agora, fazendo essa disciplina de Literatura Cearense. Sinto-me feliz mesmo, e agradecida por viver num tempo em que se produz sim literatura de qualidade, cearense, brasileira, independenciana...literatura! E agradeço à essa disciplina e principalmente ao prof. (e também grande escritor) Batista, pelo amor que ele tem à essa literatura, sempre alimentando os jovens alunos com essa determinação em manter viva nossa cultura, mesmo com todos os contratempos. Grande abraço!

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  2. Obrigado, Susane, pelo comentário e registro. Abração.

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