Texto
do livro Quando o Amor é de Graça!,
indicado
para o Vestibular da UVA 2025.1
Depois do entardecer
lunar, ante o mexerico das
estrelas e de um sol cris, solavancava, como um galope à beira-mar, o suspiro
derradeiro.
O pensamento distante se perdia e roto
banhava-me da luz que chegava daquele olhar perdido na apatia do passado
presente.
Como se manifesto de miasmas, sentia o
corpo a se aquebrantar no aroma incandescente a inchar-se no escuro
lembramento, como um corredor frio e senzalavrador de medos.
Senti febre de me roubar o ar. Na
garganta, a palavra feria purulenta, amarga e frouxa como sangue, a correr
venosa na pele, a se desmanchar em escamas, a me pedir: “Desista!”
Contudo, não sabia a voz que o mar cedo
já me batia às paredes do coração, ensurdecendo a cada dia, conforme a
indecisão infantil das marés e dos ocorridos, dos conflitos, dos aflitos, da
insânia na soleira de minha porta.
Inapto ao mundo e à vida, lancei pedra
na Lua, saltei por casas de angústias que não se calam. Devastei pessoas que
traziam flores nas palmas das mãos e sorrisos nos dedos, mas que não suportaram
viver por trás de paredes brancas que construí na esperança de pouso e de
ninho.
Um dia, entre nuvens dos olhos e do
céu, recolhi um desejo azul, tingindo de firmamento o rosto por debaixo da
máscara de sorriso contraído e arranquei a pele e os espelhos para nunca mais
encontrar-me outra vez. E a perdi. Perdi-me só, completamente.
Durante anos, sem sabê-lo, percorri o
(meu) mundo à procura daquela imagem que cuidei destruir, mas nos sonhos,
muitas vezes recortados e infrequentes, via com assombro aquele rosto que não o
meu, e ainda tão mais eu.
Às noites, cansado de esperar a queda
de meteoros, promovia deicídios, feria os rituais, deitava no teto, desenhava
caricaturas por sobre espelhos, tentava ignorar aquele “ninguém” que estava
sempre ao lado a acenar com a cabeça: “Agora!” “Agora, ainda não!”
Tinha que escolher. Havia tempos,
escolhi por não escolher. Não podia fechar portas, nem janelas. Não gostava de
multidões. Vozes demais entonteciam. Detestava a mentira. Não suportava posses,
nem manias, nem soberba, muito menos ciúmes, certezas ou prisões. Queria ser
livre de tudo. Ria e me condoía da hipocrisia do mundo.
Não queria crescer, suportar a vida ou
a morte. Não queria sonhar e fundei o meu país no reino da ideia, vizinho ao da
loucura, onde escrever foi a única forma que encontrei para gritar em silêncio.
(*) Vixit era uma expressão usada entre
os romanos para anunciar a morte de uma pessoa com mais delicadeza.
Corresponderia a “Ele(a) viveu”, no sentido de que “não vive mais” ou mais
objetivamente: “Morreu”.