Com a autora: mfmaia@hotmail.com
Pela Editora Confraria do Vento:
https://www.confrariadovento.com/editora/catalogo/item/291-santuario.html
SOBRE SANTUÁRIO
Santuário (Confraria do Vento, 2020), de Maria de Fátima Maia, me chega pelas mãos
da autora, assim como me chegou, anos passados, sua primeira publicação, Borboletário (Confraria do Vento, 2011),
também de poesia.
Em
formato pocket e com um design que
exala beleza e apuro – do nosso querido amigo Geraldo Jesuíno –, a obra tem o
prefácio do prof. Sânzio de Azevedo, outro querido amigo, maior fomentador da
pesquisa em literatura cearense, poeta e professor durante anos da disciplina
Teoria do Verso na Universidade Federal do Ceará. O professor conclui seu texto
com a seguinte afirmação: ““Trata-se de mais um nome que se soma aos muitos que
formam o melhor da poesia cearense de nosso tempo.”
Não é
pouca coisa.
Também
na apresentação, a presença de Ionilton Pereira do Vale e, ao final, o posfácio
é da própria autora.
O
livro, como o todo, é uma edição muito interessante.
A
começar do próprio título, “Santuário”, palavra que evoca “lugar sagrado”. A obra é para autora esse lugar sagrado, onde
as relíquias dessa devoção são as palavras, os versos, a poesia.
Soma-se
a isso a predominante cor roxa/lilás, que entre as cores litúrgicas, se refere
ao recolhimento, a uma profunda interiorização que leva à esperança.
No
processo de seu recolhimento e interiorização literária, Fátima espraia por
toda sua obra uma sequência de sonetos – ao todo, 21 – que, mesmo trazendo notas
românticas e vocábulos não usuais (“maneiras do século passado”), viola os
moldes rigorosos, por exemplo, dos parnasianos. Não se preocupando excessivamente
com métricas ou rimas – embora lá estejam – e retirando de todos eles os
espaços não preenchidos de intercalação entre quadras e tercetos, mesmo assim
não perdendo a cadência gostosa de sua produção.
Não é
difícil perceber na voz da autora a semelhança com outra sonetista: Florbela
Espanca, que ao defender que “Há uma primavera em cada vida”, encerra seu “Amar!”
com “E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada/ Que seja a minha noite uma alvorada,/
Que me saiba perder... pra me encontrar...”
Outro
detalhe interessante é que o livro se trata de uma poesia-narrativa, quase um cântico, no qual Fátima, com lirismo
sensível e delicado, narra um grande drama de amor a partir do encadeamento de fases,
sem de maneira alguma perder a eficácia estético-rítmica esperada de poemas, fazendo
jus ao “Santuário”, denominadas: (1) Celebração, (2) Reflexão, (3) Contrição,
(4) Remissão e (5) Enlaces.
De forma geral, e podendo conter spoilers, as apresentamos:
CELEBRAÇÃO
Numa contemplação
barroca, percebe-se o momento de celebrar a vida, por entender a finitude das
coisas e, ao mesmo tempo, desejar a sua eternidade
“Por sabermos o
preço deste instante/ confirmamos no aperto de um abraço/ mil atávicas juras dos
amantes”, concluindo: “Tu serás para sempre o meu regaço”.
Apesar da voz
melódica, perceptivelmente branda, como a confessar um segredo para si mesma,
há um forte teor físico, de mãos, pernas, corpos, bocas, desejos e carícias: “Tens
o melhor de todos os sabores, /o que excita os sentidos sem pudores/ e alucina
a pessoa mais discreta.”
Mas, mesmo quando
ele pede que ela não vá embora e confessa “só teus beijos, enfim, calar-me-ão”,
ela volta ao “leito-desengano” para “verter teu perfume no soneto”. Amá-lo,
percebe, é ferir-se.
Ela é felina, tal
qual onça, “uma fera segura e decidida” que pede ao vento – o vento é uma terceira
personagem da obra, surgindo como conselheiro, companheiro ou apenas como
espectador – que a ajude a guardar as suas garras e que sejam doces os seus
versos e seus momentos.
REFLEXÃO
Na sua reflexão,
ela volta ao profundo de sua consciência e às lembranças.
É menina, no
sertão onde viveu, “crescida entre os espinhos”, andando “sempre descalça”, na “lonjura
de quem nunca se aproxima”, com “apetites abafados” e um “coração desconfiado”:
“seria pudente crer em ti?”
A verdade: “estamos
sempre sós” E chega-nos, em dourada chave: “Nunca mais haverá um outro agora!”
CONTRIÇÃO
Num momento de contrição, sua alma geme arrependida “de
escolher o teu peito como sede”. Porém, a resignação: “Minha sina será como
Deus queira!”
Ele volta, utilizando as artimanhas que “sequer coram tua
face”. Não é o mesmo e está mais velho: “Vejo as cãs do ignóbil cavaleiro.”
Ciente dessa certeza, ela sofre por trazer ainda “O vício de
andar aonde tu fores.” Então, como em um sonho, sente um “galope no peito” e “Na
garupa da mente ele vai vivo”.
Há muita hesitação, medo, dúvida. Ela percebe haver “sangue
na lágrima que espreme” e uma “culpa acesa/que não finda na insone madrugada”.
REMISSÃO
Sente-se
humanizada, curada, quiçá, perdoada.
Perdeu o “medo da
altura das estrelas”. Objetivamente sente a perda do tempo ao olhar no espelho.
Entende o poema que a ele pertencia, como a “carcaça de sonho”.
O perdão, renovado
todos os dias, vem com a despedida: “o fatídico dia-desenredo”
ENLACES
Refere-se às
gerações, a origem de tudo, a sua família primitiva. O desenrolar da vida que
se repete e também se renova. A esperança e a fé que brotam, mesmo nos mais
áridos terrenos.
É, no livro, o momento
do grande abraço, ou enlace, da autora a todos os peregrinos desse Santuário, que somos nós, os seus
leitores, na certeza de que, como a oração sincera, a poesia também enternece e
consola a alma.
Raymundo Netto
Editor e
escritor e dublê de resenhador
Sobre a Autora
Maria de Fátima Maia afirma veementemente ser cearense,
precisamente, de Pouso Alegre, Minas Gerais. Tanto o é, que nasceu no dia do
padroeiro do Ceará, São José, quando sua mãe estava a passeio nas alterosas
terras dos inconfidentes. Sua ascendência familiar é de Limoeiro do
Norte/CE, onde, hoje, a autora ocupa o cargo de Procuradora Geral do Município.
Porém, residiu muitos anos em Fortaleza, onde se preparou para o então
denominado vestibular. Cursou Direito, na Universidade Federal do Ceará, e pós-graduações
jurídicas. Em 2010, recebeu prêmio Costa Matos de Poesia, promovido pela Alane,
Academia de Letras e Artes do Nordeste. É também autora do livro de poemas Borboletário, de 2011.