Quando
passei a ler quadrinhos de forma mais crítica e analítica, se isso for possível
e/ou necessário, cruzei no caminho com a obra de Flavio Colin (1930-2002). Fiquei irresistivelmente impressionado com a
beleza e a originalidade de seu trabalho, com a riqueza simples de seu traço e
estética.
Hoje, lembrando
dos 15 anos de sua passagem (em agosto) ao céu dos quadrinistas, uma espécie de dimensão
extra-mancha no template da vida
eterna, que ele conquistou na vida gráfica terrena, registro no AlmanaCULTURA a
entrevista concedida ao Universo HQ, um ano apenas antes de seu
desaparecimento.
Vale a
pena conhecê-lo aqui, e depois, se nunca o tiver lido, não espere: o faça! e conheça
o melhor dos quadrinhos nacionais.
Raymundo Netto
Flavio Colin: uma lenda viva dos quadrinhos,
e brasileiro, com orgulho!
Por Samir
Naliato, em 31.3.2001, para o Universo HQ
Ele
é simplesmente o maior mestre da nona arte no Brasil, ainda na ativa. Possui um
traço único, diferente, estilizado. Já desenhou de tudo um pouco, passando por
tiras, HQ’s de terror, eróticas e até álbuns com obras históricas. Em
fevereiro de 2001, ganhou o troféu Angelo Agostini de
melhor desenhista de 2000, com Fawcett.
Aos
70 anos, é um defensor exacerbado dos quadrinhos nacionais. Não gosta do
Batman, nem do Super-Homem. Acha que são coisas dos gringos.
Nas suas HQ’s podemos encontrar a mula-sem-cabeça, o saci Pererê, caboclos,
mulatas, samba, macumba, cerveja, enfim, tudo aquilo que tiver raízes em nossa
cultura.
Conheça
um pouco mais sobre o mestre Flávio Barbosa Mavignier Colin, ou simplesmente, Flavio Colin, em suas próprias
palavras!
Universo
HQ: Como foi o seu início de carreira? Em que ano isso aconteceu? Como era o
mercado de quadrinhos no Brasil naquela época?
Flavio Colin: Eu iniciei
nos anos 50, na Rio Gráfica Editora, no Rio de Janeiro. O quadrinho
brasileiro nunca foi essas excelências, não é? Mas as revistas que eram
publicadas, inclusive as da Rio Gráfica, vendiam bem. Tinha
Fantasma, Cavaleiro Negro… e depois as nacionais: “O Anjo” e o “Jerônimo”, que
também vendiam bem. Pelo que eu me lembro!
UHQ: Que artistas influenciaram seu estilo?
Colin: Eu admirava
muito o trabalho do Milton Caniff, que desenhava “Terry & Os Piratas”;
Chester Gould, que fazia Dick Tracy; Alex Raymond, de Flash Gordon, um dos
maiores desenhistas americanos, se não for o maior; e Burne Hogarth, que fez
Tarzan.
UHQ: Poderia fazer um pequeno resumo de sua trajetória no meio?
Editoras e títulos para os quais trabalhou, principais obras etc…Você publicou
fora do país?
Colin: Não sei qual
foi minha principal obra… Alguns dizem que realmente foi “O Anjo”, aquela
novela de rádio adaptada para HQ, lançada pela Rio Gráfica, que
durou mais e me projetou no mercado de quadrinhos. Mas depois eu também fiz
muita coisa para a Editora Outubro, de São Paulo, do Jayme Cortez e
do Miguel Penteado. Eram histórias de Terror. Além disso, fiz os primeiros
números de “O Vigilante Rodoviário”, que foi o primeiro seriado nacional de
televisão.
Depois, houve um
período para a publicidade. Durou uns 12 anos, e parei até de fazer quadrinhos.
Aí, voltei para a Grafipar, do Paraná, com histórias eróticas; para
a editora Vecchi; e fiz o Lobisomem para a editora Bloch.
Então, fui pegando trabalhos avulsos, pois não tinha mais uma série completa.
Sempre fiz quadrinhos.
Cheguei a publicar na
Bélgica, na Itália e até em Portugal, pela Meribérica.
UHQ: Como você comentou, no início de sua carreira fez uma
adaptação da série policial de rádio O Anjo e, posteriormente,
um seriado de TV (O Vigilante Rodoviário). Como eram as vendas desses
títulos? Qual a dificuldade em se fazer esse tipo de adaptação?
Colin: O Vigilante
era negociado em São Paulo, pela Editora Outubro e, até onde
eu sei, vendia muito bem. O Anjo também, porque tinha a cobertura da novela
radiofônica, e faziam aqueles cartazes em bancas e pontos de vendas.
A dificuldade era que
“O Anjo”, no rádio, se passava nos Estados Unidos e, por isso, todos os nomes e
cidades eram americanos. Mas, nos quadrinhos, houve um acordo entre a Rio
Gráfica e o Álvaro Aguiar, o autor, para tudo ser transferido para o
Brasil. Então, era a mim que competia receber os capítulos da novela,
e colocar aquilo tudo em HQ, com nomes brasileiros e cidades como São Paulo,
Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre etc.
UHQ: Você foi um dos pioneiros no Brasil em fazer adaptações
históricas para os quadrinhos. Esse tipo de trabalho exige muita pesquisa
visual?
Colin: Eu fiz alguns
trabalhos de episódios históricos. Sempre tive preocupação em fazer algo o mais
bem documentado possível. O brasileiro é tão ignorante sobre as suas coisas,
sua história, que é bom fazermos algo o mais próximo da verdade possível, para
informar direito. Pra não fazer igual a algumas novelas por aí, que misturam
índio americano com o índio brasileiro, e o povo não fica sabendo como é o
índio brasileiro.
Não fiz muito, porque
não apareceram mais oportunidades, mas é algo que eu gosto, porque instrui e
diverte também.
UHQ: Há desenhistas que simplesmente ignoram a pesquisa na hora de
conceber suas páginas. Qual o seu recado para esses “artistas”?
Colin: Eu acho que a
pesquisa é fundamental, porque a memória é falha. A pesquisa te leva, não só a
valorizar o trabalho e passar uma informação mais precisa e correta, como
também a aprendermos. É subsídio para nossos futuros trabalhos.
Os quadrinhos são uma
arte muito complexa. As pessoas, às vezes, não se dão conta disso, e acham que
é algo infantilóide. Não! Existem muitos tipos de quadrinhos, assim como
existem muitos tipos de filme e de música. Nem toda história em quadrinhos é
infantil! Agora, eu acho que o desenhista tem que ler e, se puder, viajar. No
meu caso, nunca pude viajar, porque sempre fui um “durão”, mas comprava livros,
sempre! Leio livros sobre tudo.
Isso porque, por
exemplo, se pintar uma história passada na China, e eu não li nada sobre o lugar,
claro que vou fazer uma pesquisa, mas já terei um registro na memória. E assim
por diante.
UHQ:
O maior volume do que você produziu foi, sem dúvida, histórias de terror. Por
que optou por trabalhar especificamente com terror? Você curtia bastante o gênero?
Colin: Ah, eu curtia
muito! Há quem diga que não é terror, é “terrir” (risos). Mas acontece que o
terror era o que tinha na época, e o que vendia bastante, principalmente em São
Paulo. Era um mercado em que o americano e seus copyrights não entravam.
Então, era um espaço para o artista brasileiro.
O terror é bom de
fazer, muito gostoso, porque incita sua imaginação. Você pode criar monstros e
situações, inventa em cima de várias coisas. Fiz também muitas histórias de
terror para a Editora D-Arte, do Rodolfo Zalla: Calafrio, Mestre do
Terror… que também fechou, para variar!
UHQ: Monstros diversos, vampiros, lobisomens, zumbis, tarados
sexuais, duendes, extraterrestres e muito mais. A inspiração para a criação
visual das centenas de personagens que você já desenhou veio de onde? Do
cinema? Dos livros?
Colin: Sim, de tudo! Essas histórias de Lobisomem,
fantasma, almas de outro mundo, de visões, estão todas no folclore brasileiro,
a gente as escuta desde de criança. Todos já ouviram falar disso! Isso é muito
do brasileiro, do caboclo e do índio. Quem vive no mato, na selva, tem muito
disso, acaba vendo coisas. É um bicho que passa, a sombra de uma árvore… Então,
para justificar o medo deles, falam que é o Saci Pererê, uma alma de outro
mundo etc… É assim que surgem essas figuras. O americano não tem muito disso.
Quer dizer, eles têm lá os fantasmas dele. Gostam muito de vampiro, mas vampiro
é universal. E depois partiram para a ficção científica.
UHQ: Hoje, você acredita que exista espaço para o terror nos quadrinhos?
Colin: Olha, eu acho
que existe SEMPRE! As gerações se renovam, caramba! Falam que não
vão fazer mais histórias de faroeste. Por quê? Sempre que passa um faroeste no
cinema ou na televisão eu vou ver. Claro que isso não é um exemplo, porque foi
assim que me criei. Atualmente é ficção científica, mas, na minha época, era
faroeste. Todo mundo desenhava isso.
Até hoje se desenha
faroeste. Grandes artistas na Europa desenham esse estilo. Como também
desenhariam terror, por que não? Desde que seja conduzido com competência,
inteligência e coragem. Mas falta editor, poxa. Os caras querem mole, trazem
aquela titica toda prontinha, coloca balãozinho, roda e tchau!
UHQ: É possível perceber, notadamente, na extinta revista Spektro, da Vecchi, que o
material nacional continha sempre uma boa dose de sexo e sacanagem. Qual a
reação dos leitores com relação a isso, na época?
Colin: Eu acho que
reagiam muito bem, porque todos gostam de sacanagem (risos)! Se você olhar a
história do mundo, verá que gregos, romanos, egípcios… todos eram chegados a
uma bandalhazinha.
O que acontece é o
seguinte: de uns tempos pra cá, o erotismo tomou conta. No meu tempo de rapaz,
não tinha revista de mulher nua, nem nos quadrinhos. Dick Tracy, Flash Gordon…
eles não tinham. Nem mesmo no terror daquela época. Mas, com essa onda, os
editores achavam que se não tivesse pelo menos uma sequência erótica, não
venderiam as revistas. Por isso, era quase obrigatório se desenhar isso.
UHQ: Como foi trabalhar com o Ota (nota do UHQ: atual e eterno
editor brasileiro da MAD, que, na época, respondia pelas edições de terror da
Vecchi)?
Colin: Foi tudo bem,
enquanto durou. Eu tinha trabalho pra fazer, e não tinha problema. Eu ilustrei
várias histórias foram por ele mesmo, embora usasse pseudônimo. Depois, fizemos
até uma revista chamada “Hotel do Terror”, que, infelizmente, não foi pra
frente, e ficou no primeiro número. Foi uma série que fizemos na Vecchi,
que depois ele tentou fazer em formato de revista.
UHQ: Qual foi o motivo da falência da Editora Vecchi?
Colin: Olha, cada um
tem uma versão. A que eu soube, é que o filho do dono da Vecchi começou a fazer
gastos em investimentos, acima do possível. A estrutura da editora não aguentou
e arrebentou.
UHQ: Você chegou a sofrer algum tipo de censura, em sua carreira?
Se sim, fale-nos um pouco dessa época.
Colin: Nunca.
Censura nenhuma. Bom, censura houve quando eu desenhei o Sepé para a CETPA
(Cooperativa Editora de Trabalho Porto Alegre S.A.), uma cooperativa em
Porto Alegre, do tempo do Leonel Brizola. A CETPA fazia coisas
regionais. Por exemplo, eu desenhava o Sepé, um personagem real. Era um índio
missioneiro. No Rio Grande existe até uma cidade e um rio chamados São Sepé.
Ele era meio
canonizado, porque tinha um sinal na testa, uma meia lua, que era uma falha na
pele, que brilhava quando o Sol batia. Então, viam nele uma figura mística.
Como missioneiro, ele defendeu os padres jesuítas naquela guerra das missões.
Tinha também “O Aba larga”, que era a polícia montada do Rio Grande, desenhado
pelo Getúlio Delphin, e “O Gaúcho“, do Júlio Shimamoto.
Era uma cooperativa
que publicava temas nacionais. Mas, como estava interligada ao Brizola, quando
houve a rebordosa, fechou; e os desenhistas que faziam aquilo ficaram meio
marginalizados.
UHQ: Um artista que podemos colocar como tendo uma carreira em
paralelo com a sua, é Júlio Shimamoto. Em praticamente todas revistas que você
trabalhou, também encontramos obras dele. Qual sua relação com Shima? O que
você acha do estilo dele?
Colin: Meu
relacionamento com ele, felizmente, é fraternal. Sou um admirador dele, pela
cultura que ele tem, pela sua simpatia, pela pessoa que é. Não nos vemos com a
mesma frequência, porque moramos longe um do outro, mas quando pegamos no
telefone é quase uma hora de papo, porque falamos quase de TUDO. Sempre estou
aprendendo alguma coisa com ele, com certeza.
Quanto ao trabalho
dele, sou um admirador. É engraçado, nossos estilos são tão diferentes, mas eu
gosto da maneira que ele desenha. Dinâmico, contrastado. Desenha muito bem,
desenha a arte muito bem. É um grande desenhista, um dos maiores que eu
conheço.
UHQ: Você chegou a fazer uma tira em quadrinhos chamada Vizunga, que, para nosso
orgulho, está sendo republicada no Universo HQ. Qual a história dessa tira? Foi
publicada em quais jornais ou revistas? O que levou ao cancelamento?
Colin: A história é
que eu fui procurado pelo Mauricio (Nota
do UHQ: Maurício de Sousa, criador da "Turma da Mônica") pra fazer um trabalho para publicar na Folha
de São Paulo. Então, criei o Vizunga porque sempre gostei de
natureza, animais etc. Acho que tem muito desenhista e roteirista focando temas
urbanos. Como eu, que, embora carioca, fui muito menino para o interior de
Santa Catarina, e lá era mato mesmo. Meu pai foi trabalhar em uma madeireira.
Acabei tendo um convívio muito direto com os animais e a natureza.
Desgraçadamente, havia muito caçador. Existe aquela brincadeira de que todo
caçador e pescador é mentiroso, exagerado; e isso me deu a ideia de criar o
Vizunga.
Tem uma parte mais
“séria”, mais “acadêmica”, onde ele recebe os amigos, conversa e começa a
contar suas pescarias e caçadas, eu entrava com o cartum, a caricatura, para
poder exagerar no tamanho do animal.
Pelo que eu sei, só
a Folha publicou. Quer dizer, que eu vi. Dizem que saiu em
outros lugares, mas isso eu não tenho conhecimento.
O cancelamento
aconteceu porque eu ganhava muito pouco com aquilo, e o Maurício ainda
descontava a parte de distribuição dele. Aí, eu entrei para a agência de
publicidade McCann Erickson e comecei a ganhar dinheiro. Um
quadrinho de storyboard
pagava o mês do Vizunga.
UHQ:
Você teve alguma decepção nessa época?
Colin: Todo
quadrinista brasileiro já nasce decepcionado. Não pude publicar mais em lugar
nenhum. Adorava e adoraria fazer isso. Gastei muito dinheiro em livros,
documentação, mapa, guia etc. Mas, infelizmente, não paga a esquine, e eu tenho
família para sustentar.
UHQ: Podemos notar, no decorrer de seus trabalhos, uma grande
mudança nos traços, chegando ao seu incrível estilo pessoal, quase caricato, na
década de 70. Como foi essa mudança?
Colin: Olha, eu
primeiro fui procurando um traço pessoal, algo que me identificasse. Mas um
traço onde eu me sentisse à vontade, porque não adianta fazer algo que é
pretensamente pessoal, mas você não se sinta confortável. Então, eu tinha que
fazer alguma coisa que me agradasse, estética e artisticamente. Fui e sou um
adepto da simplicidade. Acho que a coisa tem que ser simples.
UHQ: O Ivo Milazzo também comentou isso
conosco. Ele disse que faz várias coisas em um traço o que outros fariam em 3
ou 4.
Colin: Exatamente! É
o meu caso. Eu não rabisco muitas coisas. Uso muito contraste, mas procuro
sintetizar, fazer a coisa simples. Talvez seja por isso que dizem que eu sou
moderno, eu estilizo, às vezes meio caricato. Por exemplo, eu acho que se você
for desenhar um bandidão, ele tem que ter no traço, na figura, alguma coisa
truculenta, que o leitor olhe e diga ‘Esse aí é o bandido; e não o mocinho’.
Mas a simplicidade é
muito difícil, porque é muito mais fácil colocar do que tirar. Agora, eu digo o
seguinte, a base tem que ter estudo, tem que ser acadêmica. Meu esboço é quase
acadêmico, a estilização é feita depois. Você não pode partir direto para o
cartum, e eu vejo muito disso, principalmente, em fanzines. Mas o cartunista
sabe que tem que ter essa base de anatomia. Estilizar direto é muito difícil e
o desenho não fica completo.
UHQ: Qual é a recompensa em ter uma grande parte da vida dedicada
aos quadrinhos, no Brasil?
Colin: Se for falar
em termos de ser conhecido e ter conseguido um certo renome, tudo bem. Agora,
financeiramente, é um desastre. Uma catástrofe. Pior que terremoto em El
Salvador. É vergonhoso, humilhante.
UHQ:
Em algum momento de sua carreira, foi possível viver apenas dos quadrinhos?
Quando você enveredou pra ramo da publicidade? Fale-nos um pouco de suas outras
atividades.
Colin: Eu não vivo
apenas de quadrinhos, eu vivo, em grande parte, dos quadrinhos, mas quero
mudar, porque não dá mais para aguentar. Eu sempre que posso ilustro um livro,
e faço um freelancer para a área de publicidade. Fui mais para essa lado
em 1964 ou 65.
Houve um concurso
na McCann Erickson, do pneu Atlas. O tema era “Deixe o macaco em
paz”. Eles queriam um macaco, o animal, e eu consegui fazer como eles queriam.
Fiz toda a campanha, ganhei dinheiro. Não tinha vaga pra entrar na agência, mas
fiquei conhecido por lá, pelo diretor de arte, o Oscar Gosso, um argentino.
Aí, aconteceu que um
desenhista chinês resolveu sair, para ir pro Canadá, onde morava sua mãe, e
abriu uma brecha. Eu trabalhava na TV Rio, e nunca tinha visto um storyboard,
nem sabia o que era. Conheci lá, na hora. Mas como eu fazia quadrinhos; e storyboard
tem muito a ver com HQs, não foi muito difícil.
Além disso, faço
quadros, de vez em quando, e já fiz até exposição. Quero me dedicar mais a
isso, porque talvez fazer “quadrão” dê mais lucros do que fazer quadrinhos
(risos). Eu pinto com acrílico, sobre telas. Faço também esculturas de madeira,
que é uma paixão que eu tenho.
UHQ: Quais prêmios você ganhou em sua carreira?
Colin: Já ganhei
três HQ Mix, um em 1990 (Grande Mestre dos
Quadrinhos), e outros em 1994 (Desenhista Nacional) e 1997 (como homenageado).
Recebi também dois prêmios Angelo Agostini, sendo que o segundo foi
esse ano, pelo meu trabalho em Fawcett. Ganhei um troféu do XII
Salão Carioca de Humor, como homenageado, e um prêmio da Gibiteca de
Curitiba.
Tem ainda outros,
do Salão Internacional de Piracicaba; Press 1986, pelo conjunto da
obra; e do Museu da Imagem e do Som. Houve também uma homenagem da
Laura Alvim.
UHQ:
De tantas e tantas histórias que ilustrou, qual sua favorita? Por quê?
Colin: A favorita
seria “O Caraíba”. Chegou a sair na Itália, mas não deu certo por aqui. Ele não
nasceu com uma boa estrela, e resolvi não fazer mais.
UHQ: Qual sua opinião sobre os quadrinhos de super-heróis?
Colin: Olha,
quadrinho pra mim é uma coisa fantástica. Com certeza é um dos maiores veículos
de comunicação. É imagem e texto sucinto, que você diverte e instrui. No
Brasil, um país de semianalfabetos e analfabetos, o quadrinho tem uma
importância muito grande, mas é pouco usado.
UHQ: Até porque existe muito preconceito, considerado subarte…
Colin: Isso,
exatamente! Subarte, coisa de criança, de maluco. Já aconteceu de me
perguntarem o que faço da vida, e quando digo que desenho quadrinhos, me
olharem como se eu fosse um retardado, um débil mental. Mas é o que eu faço, e
gosto! Aqui, isso tem uma importância muito grande, porque pode ser usado
didaticamente e de várias outras maneiras.
Mas, tirando isso, se
deveria mostrar o Brasil para o brasileiro. Existia uma série na TV chamada
“Carga Pesada”. Eles eram caminhoneiros que percorriam todo o País. A Rio
Gráfica tentou fazer em quadrinhos, mas cancelaram. Uma pena, porque
era uma beleza. Mostrava todo o País, seus costumes, comidas, paisagens… O
brasileiro não conhece o Brasil e não sabe NADA de Brasil também. Se for atrás
de novela de Rede Golobo, então, tá roubado…
Mas isso é ideologia,
um sonho, uma utopia… Mas, de médico, poeta e louco, todo mundo tem um pouco.
Como não sou médico, sou poeta e louco (risos).
Super-herói não dá!
Artista brasileiro consegue publicar, com alguns rapazes de talento desenhando
pros EUA, mas, muitas vezes, fazem anonimamente. No molde americano, como eles
querem. Mas eu acho uma questão de mentalidade. O americano adora isso. É de
sua cultura, porque o americano é o super-herói. Para eles, são os donos do
mundo, os xerifes do planeta. Dominam tudo e são os mais bonitos, inteligentes
e poderosos.
Então, super-herói
vem a calhar. Eles se veem num Super-Homem, Batman, Homem-Aranha, sei lá…
Capitão América! Olha só o nome: Capitão América! Mas nós não somos nada disso!
Então, é uma forçação de barra. Em compensação, somos mais inteligentes e temos
mais noção de ridículo do que eles (risos).
UHQ: Seu estilo lembra mais os traços europeus. Que tipo de
quadrinhos você curte? Você acompanha algum tipo de publicação de quadrinhos
atualmente?
Colin: Sim, meu estilo é
assim porque eu queria fugir do padrão americano. Muitas pessoas já me falaram
que eu me daria bem na Europa, mas como não fui…
Eu não leio
quadrinhos. Raramente leio algo. De vez em quando, uma tirinha do jornal O
Globo, com o Hagar. Eu gosto de quadrinhos quando eles têm um conteúdo.
Recebi um álbum do André Toral. Ele é um grande desenhista,
com um estilo totalmente diferente do meu. O álbum é muito bom, muito bem
documentado, sobre a Guerra do Paraguai. Deu um enfoque muito legal. Isso eu
gosto de ler!
UHQ:
Você soube do projeto do jornalista Marcelo de Andrade de adaptar obras
de Machado de Assis para quadrinhos?
Colin: Eu já ouvi falar
nisso! Aliás, me ligaram outro dia perguntando se eu tinha ficado chateado por
não terem me convidado. Eu disse que chateado não, mas lamento não participar,
porque eu sempre gostei de fazer temas brasileiros. É coisa nossa! Quando se
trata de tema nosso, eu gosto de participar, me sinto gratificado.
UHQ: Quais são seus artistas favoritos nos quadrinhos?
Colin: Eu confesso
que dos estrangeiros conheço poucos, e dos brasileiros também, porque não leio
tanto assim. Mas conheço alguns rapazes, como o Watson Portela; Klévisson
Viana, que está começando, e é muito bom; o velho Shima, companheiro e mestre;
Mozart Couto, que agora parece estar se voltando mais para mangá, mas houve uma
época que o desenho dele era primoroso, acadêmico. Ah, tem também o Mutarelli.
UHQ: Você chegou a participar de um movimento em prol da
nacionalização dos quadrinhos, na década de 70. Como foi isso? Por que não deu
resultado?
Colin: Não deu
resultado, porque não podíamos competir com a Abril e
a Globo. Era uma dificuldade encontrar as revistas. Depois, começou
o problema político no Rio Grande, além das dificuldades de patrocínio e
distribuição.
UHQ: Em seu trabalho mais recente, Fawcett, da Editora Nona Arte, seu domínio das técnicas de luz e sombras, que sempre foi a
sua “marca registrada”, está soberbo! Você está como o vinho? Quanto mais velho
melhor? Acha que os anos de experiência se traduzem em mais qualidade na hora
de transpor pro papel as ideias de um roteiro?
Colin: Não sei se
estou como vinho, mas vou desenhar até onde o meu sentimento, talento e minha
mente disserem ‘Faz!’. O dia que eu começar a ficar muito repetitivo, sentir
que chegou minha hora, penduro meus pincéis e vou vender pipoca na esquina.
Faço meus desenhos da maneira que eu sinto. Às vezes, agrada! Olha, não se faz
nada sem alma. Ou coloca a alma, ou não faz.
UHQ: O que você acha da nova geração de desenhistas brasileiros? E
da “velha guarda”, quem você não pode deixar de citar?
Colin: Da velha
guarda, estão todos meios parados, com exceção do Shimamoto. Ele lançou agora
“Volúpia”, que é uma beleza. Dos outros, eu não tenho visto mais nada… pararam
ou ficaram ricos, em outras atividades mais lucrativas.
UHQ:
O que acha do fenômeno da segmentação dos quadrinhos, com tiragens menores e
vendas em lugares especializados ou livrarias?
Colin: Olha, eu não sei
explicar muito bem. Isso é um problema editorial. Eu vejo o seguinte: as bancas
começaram a encher, de repente. Isso satura e confunde o leitor. Pouca opção é
ruim; e muita, atrapalha. Ninguém tem verba para comprar tudo, e as revistas
ficaram umas muito parecidas com as outras. Já em formato de livro, é mais
seletivo. Não tem uma tiragem fantástica, mas é regular e possui um público
cativo, assim como o europeu faz com Asterix e Tintin.
UHQ: Com essa “transformação” que o mercado nacional está
experimentando, quadrinhos nacionais têm aparecido com boa freqüência. Você vê
chances de uma retomada da produção brasileira de HQs? O que seria necessário
para isso acontecer?
Colin: Eu sempre que
escrevo e me correspondo com André Diniz, Sibeck e todos que começaram fazendo
fanzines. Dou a maior força e sempre desejo que, um dia, eles consigam furar
esse bloqueio dos copyrights, publicando coisas deles. Para a minha
satisfação, eles estão fazendo temas nossos. Isso é importante! Torço de
coração que consigam comover os editores a abrir as portas para os quadrinhos.
Não sei se estarei
vivo até lá, mas… Vivem falando que não existe mercado pra quadrinhos
brasileiros. Existe, poxa! Com todo respeito, mas se fizerem HQS nacionais de
boa qualidade, vai vender! Agora, é Pokémon, mangá… pegam aquelas coisas tudo
prontas, com cobertura da televisão, são distribuídos no mundo inteiro e entram
aqui com preço miserável. Aí não dá pra competir.
UHQ: Um recado para quem pretende trabalhar como desenhista de
quadrinhos?
Colin: É difícil
(risos). Procure sempre aprimorar o traço, porque um verdadeiro artista
nunca está pronto. Tem que estar aprendendo sempre, evoluindo sempre. No dia
que achar que está pronto, começa a morrer.
E que usem os temas nacionais!
Há algum tempo recebi um fanzine de Fortaleza. Os
desenhos deles eram estilo mangá. Com tanto tema nordestino, e não estou
falando necessariamente em cangaceiros. Existem várias outras figuras, até da
cidade. O Brasil tem um litoral imenso, e não existe história sobre isso. Faz
coisas do nosso povo!
O brasileiro é um
contador de “causos”. Pega isso e faz em quadrinhos. Deixa Pokémon pra japonês.
Tinha uma revista chamada “Capitão Rapadura”. Aquilo era um barato, eu me
deliciava! Tudo bem brasileiro. Mas os editores não veem isso.
E leiam bastante. Há
desenhistas que são bons, mas não têm cultura. Você percebe que falta algo no
traço deles. Isso enriquece o trabalho.
UHQ: Obrigado, Colin. Foi uma honra para o Universo HQ
entrevistá-lo!
Colin: Eu é que
agradeço! Foi um prazer pra mim, e espero não ter dito muita besteira
(risos).