quinta-feira, 13 de abril de 2017

"O Homem que Virou Relógio", de Raymundo Netto


13 de abril, aniversário de Fortaleza, 291 anos.
Conto “O Homem que virou relógio”, de Raymundo Netto,
para Os Acangapebas (2012),
ganhador do Edital de Literatura da SecultFOR (2007)
e do Prêmio Osmundo Pontes de Literatura
da Academia Cearense de Letras (2011).

Cruzava a praça da igreja matriz quando, súbito, estacou e dali não mais deu único passo.
As pessoas o viam, perguntavam “passa bem?”, ele de apenas tiquetaquear palavras mecânicas, quase absurdas.
Os dias passaram. Ele, inda imóvel na praça, empoleirado por pássaros e pombos. Movimento apenas o de sua sombra a alongar-se pelos mosaicos de cimento, servindo de relógio aos moradores da cidade.
Com o tempo e o costume, aperfeiçoou-se na função: anunciava as horas, aniversários e datas festivas, cantava músicas de meia em meia hora, enfeitava comícios, despertava a cidade, acalentava os bêbados dela aos seus pés.
Levou um tempo. As crianças e a cidade cresceram. Aquele homem no meio da praça parecia antiquado à modernosidade invadida e dominante da região. As mentalidades ditavam-lhe o futuro de consumo.
Tempos-há, olhavam-no com desdém, logo aqueles que, há pouco, lhe precisaram tanto.
De outro lado, não era mais o mesmo... atrasava!
Os mais saudosistas inda tentaram, levaram-lhes medicamentos, assistência médica, mas era de certo a sua debilidade. Sabia-se ser o rastro das horas implacável até com quem devotara a própria vida à sua causa.
Dia, à tristeza de alguns — poucos —, operário veio à praça e o picaretou a não deixar-lhe sequer lembrança.
Noutro, muito rápido assim, rapazinho de pele úmida surgia e se fixara em semelhante local.
Olhos brilhantes, digitais, e lume no sorriso, anunciava de o tempo não poder parar, ao final, é do futuro chegar sempre, devastando o entulho da humanidade.


4 comentários:

  1. Pena que um relógio do tipo carrilhão "cante" de 15 em 15 minutos, marcando as horas a cada 3/4. Isso arrebentou com o miniconto!

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  2. Hein? relógio do tipo carrilhão? Miniconto? Hein?

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  3. Maravilha de conto (ou crônica?)!

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    1. É um conto, Filipe, mas para mim essa distinção didática nem é tão importante. Basta ler Nelson Rodrigues, Stanislaw Ponte Preta e Luís Fernando Veríssimo e dá para entender isso.

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