Em Mariana (MG), última morada de Alphonsus Guimaraens
O filósofo e escritor Ralph Emerson
afirma que “podemos viajar por todo o mundo em busca do que é belo, mas se já
não o trouxermos conosco, nunca o encontraremos.” Estou descobrindo agora, à
margem esquerda da tércia idade, que sim!
Quando fui a Minas nas minhas primeiras
férias de vida (2014), cumprindo a procrastinada promessa que fiz pouco depois
de me formar, em 1989, andava pelas ruas estreitas e íngremes como se estivesse
noutro mundo, tão ruim de viagem quanto um Machado de Assis que, como eu, pensava:
“Eu participo da natureza da planta. Fico onde nasci.”
Minas Gerais, mesmo sob um sol tirano, é
linda. Embevecido com tudo, rindo de graça e ansioso em registrar o casario, as
calçadas, as placas de madeira, as igrejas, as ruas, por incrível que pareça,
não consegui trazer na lembrança um único rosto humano.
Como folha ao vento, sem destino ou
direção, mais para alienígena do que turista, caminhava aleatoriamente, numa
liberdade de fazer e causar inveja – até a mim mesmo, quando me lembro.
Foi assim, nessa proposta acidental –
matéria ótima para um divã psicanalítico – que encontrei o que não sabia que
existia: a casa onde nasceu Afonso Henriques da Costa Guimarães, ou melhor, o
Alphonsus Guimaraens (1870 – 1921).
Casa onde nasceu Alphonsus Guimaraens (Ouro Preto/MG)
A casa está lá, em Ouro Preto, espremida
entre outras tantas de uma rua estreita e sinuosa, meio que invisibilizada por
um rebanho mineiro que cruza a sua calçada sem lhe dar a mínima importância, no
que confirmo que essa ignorância nossa é de todos. Embaixo há um restaurante
com a típica comida mineira e, ao lado, uma escadinha de madeira, após um
portão de ferro onde se lê as iniciais “A.G.” (Albino Guimarães, comerciante
português, pai de Alphonsus).
Tirei algumas fotos dali mesmo e, como
não vi ninguém, subi e entrei.
Alphonsus era sobrinho-neto de Bernardo
Guimarães (1825-1884), grande escritor, poeta (Haroldo de Campos o considera um
dos precursores do surrealismo brasileiro) e romancista, pai d’O Seminarista (1872), que foi um dos
meus livros de cabeceira aos 15 anos, e d’A
Escrava Isaura (1875). A filha de Bernardo, Constança, era noiva de
Alphonsus, laço este que teve final trágico, pois a moça (1871-1888), aos 17
anos, vitimada por tuberculose, amarga uma ferida incurável na alma do poeta,
abalando-o profundamente pelo resto de sua vida (“Mãos de finada, aquelas mãos
de neve,/De tons marfíneos, de ossatura rica,/Pairando no ar, num gesto brando
e leve,/Que parece ordenar, mas que suplica.” – “Ossa Mea” – “Os meus sonhos de
amor serão defuntos.../E os arcanjos dirão no azul ao vê-la,/ Pensando em mim:
– “Por que não vieram juntos?” – “Os Sonetos”).
Constança, filha de Bernardo, noiva de Alphonsus
Alphonsus, com a morte da amada, cai na
boêmia, para depois ingressar na Faculdade de Direito do Largo São Francisco,
em São Paulo. Entretanto, conclui o curso em Minas Gerais, na, então
recém-criada, Academia Livre de Direito, em 1893.
Em 1895, conheceria e se tornaria amigo
de Cruz e Souza, e, em 1897, casaria com Zenaide (nome de minha mãe) de
Oliveira, com a qual teve 14 filhos.
O poeta e sua esposa, Zenaide, com quem dividiu por toda vida uma ménage a trois espiritual
Escreveu livros, colaborou com jornais
da época. Era essencialmente um poeta, cuja temática girava em torno da morte,
do amor, as solidão, do sonho, da espiritualidade e do impossível. É um dos
principais expoentes do simbolismo brasileiro, sendo considerado, também, pelos
críticos, como um dos mais místicos poetas de nossa literatura.
Desde 1906, foi transferido, como juiz,
para Mariana, cidade na qual viveu seus últimos anos e que acolheu seu repouso
derradeiro. Pela sua postura de isolamento, ficou conhecido como “o solitário
de Mariana”.
A última casa de Alphonsus, em Mariana, onde viveu de 1906 a 1921. Hoje é o Museu Casa Alphonsus Guimaraens. Felizmente estão fazendo uma grande restauração do prédio histórico. Infelizmente, por isso, não tinha como visitar a casa. Sou OBRIGADO a voltar lá, agora.
Que chato!
Como podem ver, tirei fotografias da
casa, em sua fachada externa, do seu salão principal, além de alguns detalhes
arquitetônicos e ornamentais que são mantidos pela família hoje proprietária.
Por acaso, mesmo acaso de todos, passei
pela igreja de São José, perto dali. Por trás dela, um cemitério. Estava fechado
(não estranhem, sou atraído por cemitérios). Por fora, percebi um túmulo a se
destacar dos demais devido à sua lápide imensa e verde em bronze. Estava com
pressa e não conseguia enxergar de longe e, assim, o fotografei apelando para o
zoom. Foi quando pude ver que ali estava enterrado os restos mortais de
Bernardo Guimarães (a escultura em relevo de um anjo com a cabeça inclinada
para baixo em sinal de dor. Nas suas mãos, numa peça oval, a imagem de Bernardo
Guimarães).
Deveria ter ido em busca de seu famoso casarão (foi restaurado e
reformado, salvo da destruição, em 2006, abrigando hoje um Núcleo de Ofícios
destinado a atividades de formação em restauro).
Começo a refletir sobre o que disse Schopenhauer:
“a solidão é a sorte de todos os
espíritos excepcionais".
A seguir,
um dos poemas mais conhecidos de Alphonsus: “Ismália”
Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.
No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...
E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...
E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...
As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.
No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...
E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...
E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...
As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...
Muito legal, Raymundo Netto, esse registro das andanças. E esse poema, que li menino, sempre me emociona pela musicalidade e ritmo. Abraço. Carlos Vazconcelos
ResponderExcluirEstou pesquisando há tempos o motivo da morte de Alphonsus e ainda não encontrei.
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