Nunca possuí um relógio: a passagem do tempo contada
assim em tique-taques me assusta. O contínuo matraquear da ampulheta de metal
me segreda: “mais um, menos um”. Racionalmente tento minimizar esse sofrimento
– me convencer de que o tempo é apenas uma convenção entre tantas que o homem
foi inventando para ordenar o viver.
Podemos medir nossa existência no tempo através de
eventos regulares, como a Copa do Mundo de Futebol, por exemplo. Frequentemente
escuto algum comentarista esportivo dizer, não sem uma pontinha de orgulho, que
já “cobriu” tantos mundiais de futebol: a maioria dos outros participantes da
conversa sequer era nascida.
Eu, que nasci em 1964, tinha seis anos incompletos na
Copa de 70. Recordo-me de pouquíssimas passagens do famoso evento: uma paródia
musical que brincantava com “se eu fosse o Tostão, tirava o calção; se eu fosse
o Pelé, tomava café”, porém o que mais me marcou nessa copa vitoriosa foram as
figurinhas de chicletes com fotos de jogadores – com elas brincávamos do “bate”
(versão interiorana do “bafo”), onde, numa roda de amiguinhos, tentávamos virar
as figurinhas usando as habilidades e os truques mais inusitados possíveis; e,
entre correntes de vento cuidadosamente estudadas e melecas e cuspes na palma
da mão, me restou uma saudade que ainda hoje me mareja os olhos: o cheiro
delicioso do chiclete depois de muito mastigado.
Da de 74 me recordo vagamente (mas eu já sonhava em ser
jogador) da decepção do jogo contra a Holanda, da grande correria da “laranja
mecânica”, que atropelou impiedosamente Leão, Luiz Pereira, Rivelino, Jairzinho
e seus companheiros; pouca coisa mais, como o chão frio da casa do tabelião
Fernando Farias (onde assistimos aos jogos), um “foguete” de Rivelino
derrubando um atleta da barreira do Zaire. Em 78 eu tinha quase certeza de que
na próxima copa estaria entre os convocados: meu pai sapateiro me fizera um par
de chuteiras com “biscoitos” de sola que confirmava essa hipótese.
Da Copa de 82, já em Fortaleza estudando para o
vestibular, guardo as lágrimas, a perda da inocência e uma profunda revolta
contra os “deuses do futebol”: nunca mais vi o esporte com olhos românticos e
até hoje não consigo ver nenhum lance daquele campeonato, mesmo os gols e
grande jogadas; se a TV reprisa qualquer jogada eu viro o rosto, um travo na
garganta só comparável com o do término do primeiro namoro. Para “coroar” o ano
terrível, logo depois da copa morre meu querido pai.
Em 86 e 90 eu era universitário e havia perdido todo o
sonho de ser atleta: um universitário não deveria ser um “alienado”, rezava a
cartilha marxista-leninista que me regia; no fundo sofria com cada derrota. Mas
nem as vitórias de 94 e 2002 ou as derrotas de 98, 2006 e 2010 “mexeram” mais com
meus sentimentos, apenas surfei na onda do “divertimento geral da nação”.
Somente dia desses fiz essa associação de cada
Campeonato Mundial de Futebol com determinado período de minha vida: desde a
inocência de 70 até a frieza de 2010, passando pela monumental tragédia de 82.
Cada uma com seu contexto, seus problemas, suas (des)ilusões.
Hoje, às vésperas de completar 50 anos, não espero mais
um Brasil campeão, nem mesmo que tudo transcorra em paz nesses bicudos tempos
de protestos, apenas desejo sobreviver com saúde a pelo menos umas três Copas
do Mundo.
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