“Assim
seguimos adiante, barcos contra a corrente,
arrastados
sem trégua rumo ao passado”
(F.
Scott Fitzgerald, O grande Gatsby)
Certa vez ouvi de alguém, ou imaginei ter
ouvido (o que seria a mesma coisa, pois passou a ser uma verdade minha, mesmo
falsa, incompleta, inventada), que quando somos moços agimos como se
estivéssemos na boleia de um caminhão e olhássemos somente para frente,
ansiosos como todos os jovens para descobrir o que nos vem adiante (quando
recordo essa imagem vejo alguma das muitas viagens que fiz com meus pais, tios,
irmãos pelos arredores de nossa cidade, invariavelmente ouvindo as conversas
sem sentido dos adultos, pra nós crianças, quando – talvez para nos distrair e
fazer com que participássemos de seus estranhos mundos – então passavam a
contar jumentos, cada um ficava com um lado da estrada e valia até apostas
altas; dia desses uma amiga citadina contou que fazia isso com sua filha
chorona para distraí-la, mas usando postos de combustíveis no lugar de
animais); e a frase pretensamente filosófica concluía com uma obviedade rasa
que quando somos velhos somente nos interessava o que poderíamos ver pelo
retrovisor.
Cheguei nesta fase da vida, porque pouco de
hoje me desperta, do futuro interessa quase nada, como se o caminhão da história,
ouvida ou imaginada, rumasse lentamente para o abismo do não mais desconhecido
da infância, mas do mais que esperado da velhice: preferimos (você também?) não
olhar pra frente, desviamos a vista desconfiados e tristes para o espelho já
empoeirado – e o que vemos quase sempre é um mistério, nunca tão óbvio como
seria de se esperar, visto que já posto, definido...
Dia desses numa conversa com uma amiga de
infância, ela do nada se lembrou de nossa inocência de quase adolescentes
(lamentava fazendo uma comparação com os jovens da mesma idade hoje), quando
saíamos nos intervalo das aulas para brincar de quatro-cantos na parte de cima
do mausoléu do Parque Brigadeiro Sampaio, que não existe mais; porém, como o
diálogo durou pouco, a imagem inocente de vários mocinhos e mocinhas zanzando
de um canto a outro como fossem crianças de jardim de infância me ficou,
também, brincando na memória... Voltava vez por outra entre as tarefas,
leituras e conversa do dia.
Como na memória não mandamos fui pulando tal
cabra-cega num confuso jogo de amarelinha: da ingênua brincadeira que nos
deixava suados, quando uns corriam de volta para o colégio, outros escapuliam
para a casa de um colega que morava ali perto para beber água em brilhantes
canecos de alumínio num pote coberto por rendas, chegávamos quase ao mesmo
tempo na sala de aula onde não raro o professor já nos esperava.
Dos mil detalhes da lembrança despertada por
uma singela frase trocada com uma amiga agora distante no tempo e geografia
pinçamos alguns fiapos ao acaso, transitam frases soltas, fotos na parede da
casa de uma tia, a chamada nominar na sala de aula e o sono que já vem vindo,
quando inevitavelmente a “realidade” e os devaneios se misturarão em suas mil e
duas nuanças mentais.
Já quase dormindo recordei-me – como se para
me despedir do longo dia de infinitas rememorações – de uma vila de casinhas de
parede-e-meia que existia na frente do tal Parque Histórico Brigadeiro Sampaio
de nossas inocentes brincadeiras, e lá estava eu numa das seis moradias
brincando com meus primos e vendo, quando passava na porta da cozinha, o mesmo
Parque ainda sendo construído: daí a mente exausta me puxou para uma fotografia
mostrada, alguns anos atrás, dessa mesma vilinha pela minha ex-professora Graça
Farias, quando uma frase (escrita atrás da imagem) indicava que, noutra época,
uma daquelas residências era uma antiga escola da cidade – bem onde as
recordações de outros se encontravam sem se tocar com as minhas.
Muito gratificante poder acessar imagens através de "fotografias" verbais! Adoro!
ResponderExcluirAmei! A imagem de após certa idade se olhar mais pelo retrovisor, é definidora de um estágio da vida em que a memória é fundamental e as lembranças são tesouros.
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