domingo, 10 de outubro de 2021

"O Sobrado da Abolição - Parte I", de Raymundo Netto para O POVO


A Igreja Matriz de Pacatuba (foto: Raymundo Netto)

Pacatuba é um sedutor município cearense localizado a apenas 30 km da capital, florescendo aos pés da majestosa e lírica Serra da Aratanha. Embora muitas vezes seu nome seja relacionado ao trágico acidente aéreo que vitimou 137 passageiros (o voo VASP 168, em 1982), a pacata cidade traz, principalmente na sua história e geografia, características significativas e legados curiosos, embora muitas vezes nem tão lembrados, mas que deveriam ser, não fosse o nosso povo tão distraído e deslumbrado pelas brilhantes desimportâncias vendidas a milhões e a lágrimas, por meio de superficiais, mas eficientes, apelos emocionais de TV e smartphones.

O povoado de Pacatuba elevou-se à vila em 8 de outubro de 1869, comemorando, na semana que passou, 152 anos – claro, essa é uma narrativa dos brancos, pois a região antes já era berço da população indígena, especialmente dos pitaguaris e potiguaras.

A instalação da Câmara Municipal viria em abril de 1873, sob a presidência de Henrique Gonçalves da Justa, o primeiro gestor do município, proprietário do sítio “Palmeiras”, e, certamente, nome dos mais importantes na história do desenvolvimento da cidade, sendo um de seus maiores benfeitores, daí emprestá-lo à sua principal praça – mesmo que popularmente a denominem “praça da Fonte” –, sendo comparável seus feitos ao do boticário Ferreira, o niteroiense de Fortaleza. 

O farmacêutico e escritor Rodolfo Teófilo, que embora seja baiano, tem parte de sua vida fincada na vida pacatubana. Em História da Seca faz referências ao trabalho benemérito do capitão Henrique Gonçalves da Justa, proprietário também de “dois sobrados vizinhos, o amarelo e o encarnado, ambos de belo estilo, sitos na praça que hoje ostenta seu nome venerando” (Manoel Albano Amora, em Pacatuba: geografia sentimental, 1972). Falaremos mais sobre esses sobrados, posteriormente.

Estive em Pacatuba, pela primeira vez, há alguns anos. Na época, encantado por ela, pesquisava Juvenal Galeno, decerto um dos autores mais fundamentais da historiografia da literatura cearense. Galeno nasceu em Fortaleza, em 1836, mas logo seus pais o trouxeram ao sítio Boa Vista, no alto da serra, onde ainda hoje se encontra um sobradão atípico, e ali viveria até 1887, aos 51 anos, quando passaria a residir em Fortaleza, apenas por conta da educação dos filhos. O tal sobradão tem estranha arquitetura, construído sobre rochedos e curiosamente denominado pelos pacatubanos de “casa da baronesa”, em referência não ao pai, mas à mãe de Galeno, Maria do Carmo Teófilo e Silva, tia de Rodolfo Teófilo, aqui já citado. O pai de Galeno, José Antônio da Costa e Silva, filho de Albano da Costa dos Anjos, rico produtor de algodão e proprietário de extensos terrenos na serra. José da Costa é considerado o pioneiro na comercialização do café no estado, sendo seguido por outros membros da sua família, nomes até hoje lembrados pelos historiadores, seja pela cultura cafeeira, pelo envolvimento político ou pela participação na Confederação do Equador.


Sobrado da família de Galeno no sítio Boa Vista (foto: Raymundo Netto)

                              

Diante da importância da família do capitão José Costa, por Pacatuba, e no sobrado da família, passaram alguns conhecidos personagens históricos, entre eles, os membros da Comissão Científica Exploradora (1859), criada pelo então imperador d. Pedro II, composta por Freire Alemão, Guilherme de Capanema, Gonçalves Dias, entre outros. Gonçalves Dias, já renomado por sua poesia em seus 36 anos, se hospedou na casa grande do sítio Boa Vista, tornando-se amigo de Juvenal Galeno, na época, com 23 anos, recém-chegado do Rio de Janeiro, de onde trouxe a edição de seu livro de estreia, marco do Romantismo cearense, Prelúdios Poéticos.



Juvenal Galeno, aos 23 anos, em Prelúdios Poéticos

 

(Continua daqui a 15 dias)



 

3 comentários:

  1. Gosto demais dessas voltas ao passado, deu até vontade de me aventurar até o Sítio Boa Vista. Valeu, Raymundo Netto, estou aguardando a continuação dessa viagem histórica.

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    1. Zélia, muito obrigado. E preparem-se, você e o Barão, com roupas leves, água, umas barrinhas de cereal e um par de tênis, pois nós todos do CPLI iremos fazer um passeio em Pacatuba e conhecer in loco a história desse sobrado.

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  2. Conheço a aprazível Pacatuba, Raymundo, tenho um amigo-irmão que resolveu viver lá devido a seus encantos. Muito oportuno essa sua crônica sobre o município; ademais, é sempre um deleite sua pena. Desde já quedo-me ansioso pela continuação.

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