Jamais cogitei escrever deliberadamente “para” crianças, embora
sempre tenha lido com prazer autores especialistas ou eventuais do gênero;
talvez por achar, ingenuamente, que teria que fazer concessões temáticas e
estilísticas para agradar ao público ledor “de menor”. Claro que era não só
preconceito, mas principalmente ignorância sobre o assunto.
Um amigo me alertou sobre alguns contos
meus em que meninos eram protagonistas, pensei vagamente em reuni-los num
livrete pretensamente infantojuvenil, cabotinamente com a intenção de
aproveitar a lucrativa onda de escrever para alunos; meu pudor me salvou mais
uma vez, resisti até agora quando a Editora Moinhos, capitaneada pelo Nathan
Matos, resolveu juntá-los no volume Meninos
& outros demônios.
Mas um pouco antes disso criei coragem e retomei
certa história que há anos boiava na cabeça, uma improvável amizade entre um garoto
de classe remediada e outro que morava no Campo do América, comunidade pobre
incrustada milagrosamente no meio dos bairros burgueses de nossa sonsa loirinha
destrambelhada pelo sol: desse novelo saiu Beto
bola, Beto bala.
Comecei a história, que foi crescendo,
virando páginas e ganhando vida própria; e logo em seguida, muito inseguro com
o tema e a linguagem, passei a mostrá-la para amigos escritores, e foi numa
visita ao poeta Alves de Aquino que meu texto chegou às mãos dessa fantástica
artista-plástica Nataly Pinho, ainda cursando Letras na UFC e titubeante em se
dedicar de corpo e alma à pintura, muito ligada à faculdade de Letras e,
posteriormente, ao magistério no IFCE, onde é uma dedicada professora no
Aracati.
Se eu estava temeroso em relação à
narrativa, perdi toda a insegurança quando vi os esboços de ilustrações feitos
por ela; daquele momento em diante tive certeza que o livro um dia sairia, e
certamente “pregados” naquelas ilustrações, que “ainda precisavam de uns
retoques”, segundo a minuciosa professora-pintora que nasceu em Fortaleza e se
criou em Pacajus.
Da época desse primeiro contato até hoje,
a história e os desenhos (competentemente fotografados pelo Pedro Humberto)
caminharam juntos por mais de dez anos, entraram na fila de 2 editoras (uma
delas me retornou com o “boneco” pronto, mas com outras ilustrações), quando
participou de um edital da SecultCE e finalmente virou livro, com um detalhe de
que no projeto foram utilizadas todas as pinturas feitas para serem escolhidas
apenas algumas, tão empolgado fiquei com a arte da ilustradora.
Agora os 2 autores assinamos a capa, pois –
nesse casamento de texto com ilustração – ambos merecem o nome de coautores da
obra, visto que andaram juntos desde as fases titubeantes de esboços até esta
dolorosa de espera do término da pandemia para que se possa fazer um discreto
lançamento conjunto, quando farei questão que Nataly Pinho esteja ao lado
autografando, em parceria, esse sofrido, porém prazeroso, projeto de mais de
uma década de espinhosa caminhada.