Em tempos
de forçada reclusão me veio um antigo pensamento, uma daquelas ideias ociosas
que nos assaltam em momento de tédio, seja na mesa de um bar, assistindo a uma
chata partida de futebol na TV, naquele intervalo do lanche no trabalho, na
parada de ônibus (falando em período de pré-pandemia); e agora que tenho que
passar esse longo tempo em casa o tal raciocínio vadio me retorna com frequência:
Por que passamos tanto tempo fora de casa, "pernando" sem rumo pelas
ruas, procurando “sarna pra se coçar” muitas vezes sem motivos aparentes?
Lembro que antigamente, nos meus tempos de
estudante, aperreado para dar conta das matérias atrasadas, tendo que encontrar
uma folguinha pra ministrar aulas particulares que garantiam o vestuário,
transporte e alimentação, eu vivia procurando um jeitinho de voltar logo, logo
para casa, deitar numa rede com um livro interessante (enquanto criava coragem
de enfrentar as rabiscadas apostilas), dormir aquela soneca vendo (entre o sono
e a vigília) a milésima repetição da “Sessão da Tarde” (Ah, quantas Lagoas Azuis mergulhadas naqueles tempos
idos!); pois bem, simplesmente vagar pela casa, em descuidos e afazeres, que
era na verdade um prazer, quase uma necessidade sonhada.
Veio o tempo de faculdades (sempre mal terminando
uma e já começando outra), do trabalho na repartição, das “peladas” com os
amigos, de saídas com a namorada, dos muitos lançamentos de livros, de bares
fortuitos e noitadas perdidas... Enfim, o que na época de juventude fora um
sacrifício ia se tornando um hábito, não por deleite, mas meramente para
seguir, por inércia, na roda viva da vida: fui me tornando um “sujeito da rua”,
desses que, feito quase todos nós, ficava procurando um motivo para sair –
impune e desligado – por aí, chinelão de dedo, calção surrado, camiseta frouxa:
tome andanças pelas livrarias, casas de amigos, terminando preferencialmente
num boteco desses que tivesse mesas na calçada.
Porém, sempre nesses instantes de descuidos da
mente, me vinha o tal pensamento vadio: eu não estaria tempo demais no “meio do
mundo”, por que não ficar em casa lendo, cuidando do jardim, vendo bons filmes,
arengando que fosse com os da família? Não seriam perda de tempo demasiada
essas andanças sem fim? Juro que não chegava a concluir esses raciocínios, mas
maneirava e ficava por um bom período mais caseiro, concentrado, estudioso...
Mas de novo a roda do mundo me pegava pelos sonhos e lá ia eu seguindo esse
movimentado fluxo da vida (pois convites para sair nunca nos falta, não é
mesmo!?).
Acredito que muitos hábitos nossos terão mudado com
essa quarentena, alguns permanecerão conosco para sempre (espero!, que da crise
hídrica no país ficou o hábito de fechar torneiras, daquela de energia elétrica
perdurou o zelo com o desligamento de luzes excedentes em casa), como o da
higiene e cuidados com a saúde, mas acredito que outros (a maioria, creio!)
novos costumes rapidamente serão esquecidos, como essa saudável reclusão que
tanto bem faz ao corpo e a alma: logo, logo seremos de novo seres nômades a não
sossegar em casa, a procurar desculpas para “ganhar o mundo”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário