Friedrich Nietzsche
Bigode estava de
saco cheio da mulher. Ela, todo
dia, batia o ponto: “Seu preguiçoso, velho, muquirana...” Até aí, tudo bem, nem
ligava. Porém, aquele dia lhe seria intolerável: “... e nem limpa mais esse...
esse... bigode horroroso!” Ah, isso não. Havia ido longe demais! Aquele homem,
desde o primeiro buço, trazia altivo e orgulhoso aquele volumoso ornamento
nasal, a ponto de até ser chamado e reconhecido por ele. E, ela, logo a sua
amada, lhe fazia deboche?: “Nunca gostei desse troço. Suportei!” Diante da severa
profanação, como se alvejado no peito, Bigode pediu o divórcio.
Os
primeiros dias foram terríveis, mas numa noite de cava tristeza, após comer um “cai-duro”
de trailer de calçada, sem saber o que fazer nem para onde ir, sentiu uma extravagante
liberdade: não precisava chegar em canto algum, dar satisfação a ninguém, nem hora
de voltar para casa. Despertou-se ali uma juventude magnífica e com ela uma súbita
autoconfiança, o esquecimento do luto divorcial e o desejo de conquistar um novo
amor, um “brotinho”, como dizia.
Passou a
caminhar na praça, frequentar academia e bares noturnos. Contudo, sendo ele um
don Juan à robertiana moda antiga, ainda do tempo de prometer um mar de rosas à
namorada, não se deu bem. As mulheres não eram mais as mesmas. Mais ousadas e diretas,
algumas até se chegavam, mas na primeira cantada açucarada, olhavam-no de cima
a baixo e pulavam fora. Queriam divertir-se apenas, nada mais. Parecia que o
seu nietzschiano penduricalho perdera o seu suposto poder sedutor.
Julgando a
velhice culpada por tal indesejável aversão, confessou-a ao colega, que de
pronto decifrou: “Amigo, é esse seu bigode. Ninguém mais usa isso... assim. Se
você tirasse esse bigode, acho que a mulherada ia pirar.”
Desolado, como
se caminhasse ao brutal fuzilamento, mas ansioso por sentir novamente o calorzinho
de um par de coxas, dirigiu-se à barbearia e, enlagrimado tal qual um bebê ao perder
o doce, sentenciou: “Tira... tira tudo, tudo!”
Para a sua
surpresa, ao se ver ao espelho, reconhecera aquele rosto adolescente há muito
esquecido, quase estranho, e sorriu um sorriso distante, terno e gentil. Ali,
assistia a sua juventude ilustrada por sonhos e certezas carimbados na face
imberbe.
Naquela mesma
noite, em trajes joviais e almiscarado dos pés à cabeça, um seguro Frederico –
era esse o seu nome – sentou-se ao balcão de bar de boite bem frequentada.
Lançava agora aquele desperdiçado e oculto sorriso ao mundo, como se a ele revelasse
um tesouro, as tábuas da lei, um acontecimento.
Foi então
que percebeu uma moça – uns 20 e poucos anos, apetitosa e belíssima em seu
corpo viçoso, coberto por um suficiente vestido a realçar o corpo saliente –
que, assim parecia, não desviava o olhar do seu. Não acreditava e disfarçou a
afetação. Piscou presunçosamente e a saudou com o copo, como a consentir a sua
aproximação. E ela, acredite, veio. A cada passo dela, pulsava nele um tremor terremótico,
lascivo, o entusiasmo de primeiro homem a pisar na lua, quando ouviu da jovem:
“Sabia que o senhor é a cara da minha finada mãezinha?”
Maravilha! Simplesmente, ótimo. Grande abraço e obrigada pelo riso na hora do meu café. Amei.
ResponderExcluirE eu amei ter contribuído para esse riso, Fabreu. Grande abraço e saudades.
ExcluirAdorei!Imagino como o Bigode se sentiu!Poderia ter ficado com a sua esposa, o porto seguro....
ResponderExcluirParabéns, Raymundo Netto!Que cabeça criativa!Que tal escrever uma peça para o teatro?
Hahaha Coitado do Fred... Obrigado, Angela, pela leitura. sabia que eu já pensei em aventurar algo na dramaturgia? Quem sabe um dia eu crie coragem. Não é fácil... Abração.
ExcluirKkkkkkkkkk Sensacional!!!
ResponderExcluir!!!!!
ExcluirMuito bom. Desfecho surpreendente. Parabéns!
ResponderExcluirGrato pela generosa leitura.
Excluir... tadinho kkk ... ele querendo agradar aos outros e ficou no prejuízo ... ficou sem o bigode kkk ...
ResponderExcluirVida que segue. rsrs
ExcluirMaravilha, amigo. kkkkkkkkkkk
ResponderExcluirMinha amiga Sônia, sempre bem-vinda por aqui.
ExcluirQue delícia ler o "don Juan à robertiana moda antiga" e outras referências em torno dessa figura antípoda do bigodudo "Übermensch". Beleza!
ResponderExcluirGrato, prof. Leite Jr, pela sua gentil leitura.
ExcluirMaravilhoso!
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