segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

"Táxi", de Raymundo Netto para O POVO



Seria aquela apenas mais uma corrida de táxi, entre as milhares a riscar as vias públicas da cidade... mas não foi.
Um passageiro, após sinalizar afoito na calçada, entrou no carro pejado de pesadas bagagens: “Airport, please!”
Oscar, o motorista, contava anos no ofício. Não sentia a menor vontade de puxar qualquer conversa. Assentiu pelo retrovisor e deu a partida.
De repente, percebeu um barulho estranho por trás do seu assento, um incômodo, uma espécie de solavanco.
Estranhando, mirou novamente pelo espelho do retrovisor e viu o olhar assustado do passageiro. Perguntou: “Tá gudi, mem?”
Então, assistiu quando o gringo esticava os braços por trás do assento do motorista e, com muita força e aos berros, puxava um homem que estava preso embaixo daquele banco.
O resgatado, em trajes surrados, suava às bicas e prostrou-se por sobre o banco, dando tapinhas agradecidas no ombro do americano.
Ainda em silêncio, o motorista, assistindo a tudo, se admirava com aquilo. Por certo não era assim tão zeloso com seu carro. Perdeu as contas de quando havia feito a última lavagem, mas a ponto de perder um passageiro e não perceber...
Lembrava-se daquele sujeito. Havia feito aquela corrida há meses. E, naquele dia, ao chegar no local indicado, ele não estava mais no carro. Ficou até em dúvida se ele existia de verdade, se havia tomado o carro, se teria se aproveitado e fugido em algum sinal ou mesmo se, com aquela buraqueira das ruas, havia tombado porta afora. Mas por ordem da necessidade não tinha tempo a perder, deixou para lá.
O homem contava ao colega que havia sobrevivido ali graças as pastilhas, amendoins e pipocas caídos fartamente ou chicletes deixados por baixo do banco pelos passageiros e, às vezes, com os restos de sanduíches de Oscar, disputados a tapas com baratas.
A princípio, teve medo, mas apesar da situação, aprendeu a ouvir e acompanhar a história de vida dos outros passageiros. As suas dores, seus sonhos, suas conquistas e esperanças. Por outro lado, tinha queda por fofocas, curtia segredos e se deliciava com os ousados amassos e fantasias alheios. Além do quê, aquele friozinho e a tremura do motor passaram a compor seu “berço esplêndido”. Sentia-se seguro, isolado dos últimos acontecimentos e das impostas cobranças sociais. Pela primeira vez na vida sentia-se realmente feliz, pois encontrara o seu lugar no mundo.
Ao chegar a seu destino, o turista, embevecido com o original depoimento do colega, pediu para fotografá-lo, tirou selfies e, bradando “Wonderful... Brazil... Wonderful”, despediu-se do curioso companheiro.
Agora, sozinho no banco de trás, bocejava a saudade de seu aconchego. Olhou para o retrovisor, acenou para o desconfiado motorista, e disse que voltaria para aquele banco. E, antes que ele reclamasse, mandou lembranças para a bela Suzana. A sua mulher? Não, a amante de Oscar.



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