Seria aquela apenas mais uma corrida de táxi, entre
as milhares a riscar as vias públicas da cidade... mas não foi.
Um passageiro, após sinalizar afoito na calçada,
entrou no carro pejado de pesadas bagagens: “Airport, please!”
Oscar, o motorista, contava anos no ofício. Não
sentia a menor vontade de puxar qualquer conversa. Assentiu pelo retrovisor e
deu a partida.
De repente, percebeu um barulho estranho por trás
do seu assento, um incômodo, uma espécie de solavanco.
Estranhando, mirou novamente pelo espelho do retrovisor
e viu o olhar assustado do passageiro. Perguntou: “Tá gudi, mem?”
Então, assistiu quando o gringo esticava os braços
por trás do assento do motorista e, com muita força e aos berros, puxava um homem que
estava preso embaixo daquele banco.
O resgatado, em trajes surrados, suava às bicas e prostrou-se
por sobre o banco, dando tapinhas agradecidas no ombro do americano.
Ainda em silêncio, o motorista, assistindo a tudo,
se admirava com aquilo. Por certo não era assim tão zeloso com seu carro.
Perdeu as contas de quando havia feito a última lavagem, mas a ponto de perder
um passageiro e não perceber...
Lembrava-se daquele sujeito. Havia feito aquela
corrida há meses. E, naquele dia, ao chegar no local indicado, ele não estava mais
no carro. Ficou até em dúvida se ele existia de verdade, se havia tomado o
carro, se teria se aproveitado e fugido em algum sinal ou mesmo se, com aquela
buraqueira das ruas, havia tombado porta afora. Mas por ordem da necessidade não
tinha tempo a perder, deixou para lá.
O homem contava ao colega que havia sobrevivido
ali graças as pastilhas, amendoins e pipocas caídos fartamente ou chicletes
deixados por baixo do banco pelos passageiros e, às vezes, com os restos de
sanduíches de Oscar, disputados a tapas com baratas.
A princípio, teve medo, mas apesar da situação,
aprendeu a ouvir e acompanhar a história de vida dos outros passageiros. As
suas dores, seus sonhos, suas conquistas e esperanças. Por outro lado, tinha
queda por fofocas, curtia segredos e se deliciava com os ousados amassos e
fantasias alheios. Além do quê, aquele friozinho e a tremura do motor passaram
a compor seu “berço esplêndido”. Sentia-se seguro, isolado dos últimos
acontecimentos e das impostas cobranças sociais. Pela primeira vez na vida
sentia-se realmente feliz, pois encontrara o seu lugar no mundo.
Ao chegar a seu destino, o turista, embevecido com o original depoimento do
colega, pediu para fotografá-lo, tirou selfies e, bradando “Wonderful...
Brazil... Wonderful”, despediu-se do curioso companheiro.
Agora, sozinho no banco de trás, bocejava a saudade
de seu aconchego. Olhou para o retrovisor, acenou para o desconfiado motorista,
e disse que voltaria para aquele banco. E, antes que ele reclamasse, mandou
lembranças para a bela Suzana. A sua mulher? Não, a amante de Oscar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário