Foto: Francisco Viana
Para Sérvulo Esmeraldo
no Dia Internacional da Mulher
Vivia solitária em um barquinho rizado a se equilibrar
por sobre longarinas a guerreira cariri. Por olhos castanhos amendoados,
assistia todos os dias às crianças encimadas em ondas crespas a usar e abusar
do seu eterno vaivém: “Quisera também eu ter essa liberdade”, pensava.
Ao longe,
podíamos vê-la, quase triste, os compridos cabelos sempre a acompanhar a
ciranda dos ventos e o passo do tempo, abstraída às manhãs num manto de luz e
completamente enamorada pela linha do horizonte. Cansada da sua calculada
ilusão, tinha por sonho, não sabíamos, bordejar, cruzar o desejado horizonte
úmido e distante em abraços.
Um dia, o
sol não amanheceu. Nuvens escuras tomaram os céus e o seu corpo em sombras,
lançaram espadas de luz, rugiram e entornaram na terra outro mar cristalino.
As águas marinhas
não aceitaram a invasão daquelas celestiais e as combateram com suas maiores e
mais potentes vagas, numa revolta devastadora jamais vista.
A
guerreira de aço testemunhou com assombro o violento embate das águas que ali se
dava. Aos empurrões e tropeços, se jogavam contra as pedras da praia em forma
de arrebentação, levando com elas o fundo do mar em areias e destroçando as
vigas de madeira do velho píer. Era “o mar engolindo lindo e o mal engolindo
rindo.”
Foi
quando, com astúcia e na certeza da efemeridade das coisas, o mar verde
esmeraldo lançou-se sobre ela, como se a devorasse, e a arrancou de seu cativeiro.
Por um
momento, saracoteando na crista da onda, ela acreditou ter alcançado o seu
sonho: “Liberdade, finalmente?” Buscou seu amado e não o encontrou. Não havia
mais nem céu nem mar, apenas um mundo gris. Todavia, desastrada e pesada, tombou
na profunda escuridão do mar, no qual, antes de desmaiar, por um ângulo exato
pôde ver os botos-cinzas cor de chuva, debochados como eram, a brincar de
atrações nas ruínas do malfadado aquário natimorto.
Acordou
dias depois, com parafusos a menos, assistida por homenzinhos com pés de pato.
Ela, porém, para a surpresa deles, teimava em não segui-los. Não queria voltar.
Na
superfície, cansada de lutar contra a sua captura, rodeada por uma turba de
curiosos, ouviu, como em uma viniciana anunciação, quando lhe perguntaram: “De
onde vens assim, tão suja de terra?”
E ela
respondeu, pois eu ouvi, na voz silente dos ventos: “A maior provação para o
amor é deixar partir. Queria mesmo era ficar na lembrança, sentir a permanência
única da saudade, colorir o imaginário do povo como aquela que se fez livre,
escolheu seu caminho e se foi para todo sempre.”
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