AVISO:
Esta é uma obra de ficção. Então, qualquer semelhança com pessoas vivas, zumbis,
vampiros, situações e lugares, é mera coincidência. Desculpem.
Esta fábula fabulosa passou-se num Reino,
não tão antigo assim, abençoado por Deus e bonito por natureza, que beleza...
Quando você foi dormir havia uma rainha
no trono eleita pelo povo. Quando você acordou havia um rei muito sisudo
escolhido pelos traidores do povo. Mas você calou, pois você não é daqui.
Assim, você que fala a mesma Língua
deles, tomou ciência de tudo o que mudara naquela noite de lua escura. Seus
direitos à equidade, à comunicação, à cultura, à aquisição da casa própria e à
saúde pública tinham sido suprimidos ou enfraquecidos. Mas você calou, pois você
não é daqui.
A Polícia do Reino publicou sombrio aviso
que você não poderá participar de manifestações políticas a favor ou contra o
real governante de plantão. A respectiva pena, informa, didaticamente, o Órgão
de Segurança do Reino, é de 3 anos de reclusão seguidos de deportação.
Deceparam-lhe o livre-arbítrio por meio
do Estatuto dos Forasteiros que você nunca ouvira falar, ou tendo conhecimento
dele, a ele nunca recorrera por não necessitar. A nobre rainha lhe resguardava
os direitos mesmo você não sendo daqui.
Eu
sei, você tinha-se esquecido que era de fora. Todavia, de imediato, você
aprendeu que pagar o Imposto de Renda na Fonte ou fora dela, o IPTU mais o DPVAT,
arrostar com todos os diversos e enigmáticos impostos embutidos em suas
compras, ter Folha Corrida limpa, estar em dia com a Fazenda Real, seu nome não
constar no SPC do Reino, e, até ter o recibo quitado do Condomínio em mão, não
bastam para torná-lo um cidadão, mesmo de segunda categoria, confiável. Mas
você calou, pois você não é daqui.
Aí chegou notícia que “eles” lançarão
Decreto contra seu livre-pensar e contra sua privacidade. Então, você, a partir
da data da publicação da Lei, fica expressamente proibido de falar mal dos maus
políticos do Reino nas redes sociais. Mas você calou, pois você não é daqui.
Prevenindo-se, você passa a trazer, em
pasta especial, seu Passaporte, sua Cédula consular, sua Carteira de
Identidade, seu comprovante de residência e o seu importante Cartão do Plano de
Saúde. Porém, sendo você, neste quesito, igualzinho aos outros do Reino, isso
não o livrará das abordagens policiais, de levar uma tapa no pé-de-ouvido, do
gás-pimenta nos olhos, das bombas de efeito moral (que moral há nessa bomba?) e
do assobiar das bordoadas em seu lombo. Mas você calou, pois você não é daqui.
Anteontem, “eles” mandaram o Ministro do
Tesouro Real dar-lhe um recadinho: "Você precisa pagar mais impostos!" Assim, para sua desgraça, “eles” farão a mágica de ressuscitar a CPMF por Real
Medida Provisória e aumentar alguns tributos com o comprovante que a
arrecadação real despencou e que há precisão de equilibrar, urgente
urgentíssimo, as reais Contas públicas. Mas você calou, pois você não é daqui.
Ontem, “eles” mandaram o real Ministro
da Imprevidência, desculpe, da Previdência, dar-lhe um recadinho: “Você, agora,
irá se aposentar aos 75 anos!” Assim, para seu alívio, “eles” não o deixarão
morrer sozinho. Você baterá as botas ou as pantufas numa repartição qualquer,
diante dos colegas e dos clientes que o aplaudirão pela sua ousada
aposentadoria na expulsória da vida! Mas você calou, pois você não é daqui.
Hoje, quem sabe? O dia ainda não
terminou, “eles” mandem o real Ministro das Relações Estrangeiras, que não é
ligado em História nem Geografia, lhe dar um recadinho, que, de maneira
nenhuma, o deixará surpreso: “Você aí, veja bem, por ser muito longe, perigosa
e sem charme nenhum, estou a pensar em fechar nossa Embaixada no seu país e
umas tantas outras na África e no Oriente, se bem que ainda não saiba em qual Oriente
seja, essas reais representações diplomáticas, atualmente, não servem para nada!”
Mas você calou, pois você não é daqui.
E o desmundo, num bater de panelas
amarelas e zabumbas vermelhos, segue sua via sacra. Já tomaram e vão tomar ou restringir
os Direitos Humanos no Reino, suas salvaguardas jurídicas e éticas, com a
deslavada justificativa de ajustes pontuais na política interna e externa e nos
Planos e Projetos Sociais da rainha afastada.
Por
você, valentemente, se manifestam e já marcham, pelas ruas e praças do Reino,
nesta travessia indigesta, as mulheres, os idosos, os pobres ou acabados de
sair da pobreza, os trabalhadores urbanos e rurais, as minorias raciais e de
gênero. E os professores e estudantes, com certeza. Mas você calou, pois você
não é daqui.
No entanto, eu não sendo daqui, estou
aqui. E, ao contrário de você, não me calarei. Não posso silenciar. Em minha
trajetória, a liberdade custou sangue. Nunca temi o que existe para ser temido
e não vacilarei ante o improvável abstruso temer.
NOTA:
Como toda a (in) decente fábula, esta também tem uma moral: “Quem cala
consente, quem luta vence”
Manuel
Casqueiro é presidente da Academia Afrocearense de Letras, escritor
e palestrante da República da Guiné-Bissau. O texto acima foi apresentado em 21
de maio de 2016, na Casa de Juvenal Galeno, durante evento alusivo ao 2º Aniversário da fundação da
AAFROCEL e ao Dia da África.
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