Parafraseando o americano John Fante: 2015 foi um ano ruim! A economia
saiu do eixo, depois de mais de uma década sob controle; a situação política,
então, nem se fala – as frágeis máscaras de nossa recente democracia caem a
cada dia: alianças pregadas com cuspe derretem ao mínimo “bafo”; sobram lamas e
detritos pelos riachos desse pobre projeto de país. Poucos escapam deste lado e
do outro do balcão. Eleitores aos borbotões apontam o indicador para os
políticos, esquecendo dos outros três dedões voltados pra si (e o “mata-piolho”
cruelmente cravado pra Deus). Velhos fantasmas teimam em sair dos armários:
moralismos baratos, soluções radicalmente fáceis; aves de rapina disfarçadas de
pássaros exóticos espreitam seus imensos bicos tortos, sentindo já bem perto o
cheiro do sangue, cutucam a onça com suas garras sujas.
Nasci
em pleno golpe militar de 1964, na falsa ordem dos porões velados; bem
disfarçados em figurinhas de generais, poetas e educadores distribuídos pelas
escolas; colecionei muitas de Costa e Silva, Geisel, criminosamente misturados
com Castro Alves e Marechal Rondon; trocávamos pelas de Jairzinho, Gerson,
Tostão e Pelé, que eram mais valiosas para a molecada que já rolava a bola
“canarinho” (mas nela injetávamos óleo queimado para que ficasse pesada e
parecendo com a “dente de leite”, que só os mais abastados podiam comprar)
pelos muitos campinhos da cidade.
As
comemorações do Dia da Bandeira, da Proclamação da República e, principalmente,
do movimentado 7 de Setembro eram sempre muito esperadas pela meninada; a
plateia agitando bandeirinhas, os soldados do Tiro de Guerra de Crateús fazendo
malabarismos, manobras e demonstrações arrojadas: nós, os menores, sonhando em
sair da rabeira da fila e ir para frente, lugar sempre destinado aos mais altos
e bonitos; já quem tinha alguma habilidade disputava lugar na “banda”, que
orgulhosamente ostentava seus instrumentos pelas ruas principais.
Somente
nos tempos de estudante em Fortaleza foi que essa imagem idílica da minha
infância foi sendo desconstruída, vieram as primeiras leituras sugeridas pelos
novos amigos – recordo bem de Cartas da
Prisão e Batismo de Sangue, do
Frei Betto, A Ilha, de Fernando
Morais, dentre outros; apenas na universidade é que essas leituras mais
políticas foram dando lugar à paixão pela literatura, desde o apaixonante Feliz Ano Velho, de Marcelo Rubens
Paiva, ao Cem Anos de Solidão, recém-lançado
por Gabriel Garcia Marquez...
De todas essas memórias,
verdadeiras e falsas, da meninice, coladas e despregadas depois, ficou um gosto
meio dúbio pela falsa ordem, pelo moralismo barato, pelo discurso nacionalista,
que sobem das pernas, passando pelo intestino, escorregam estômago acima,
inflam o peito, mas que, felizmente, rebatem no cérebro, que tenta, coitado,
nem sempre com êxito, desconstruir todos esses perigosos mitos da infância.
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