sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

"Lindo Pendão da Esperança", de Pedro Salgueiro para O POVO


Parafraseando o americano John Fante: 2015 foi um ano ruim! A economia saiu do eixo, depois de mais de uma década sob controle; a situação política, então, nem se fala – as frágeis máscaras de nossa recente democracia caem a cada dia: alianças pregadas com cuspe derretem ao mínimo “bafo”; sobram lamas e detritos pelos riachos desse pobre projeto de país. Poucos escapam deste lado e do outro do balcão. Eleitores aos borbotões apontam o indicador para os políticos, esquecendo dos outros três dedões voltados pra si (e o “mata-piolho” cruelmente cravado pra Deus). Velhos fantasmas teimam em sair dos armários: moralismos baratos, soluções radicalmente fáceis; aves de rapina disfarçadas de pássaros exóticos espreitam seus imensos bicos tortos, sentindo já bem perto o cheiro do sangue, cutucam a onça com suas garras sujas. 
Nasci em pleno golpe militar de 1964, na falsa ordem dos porões velados; bem disfarçados em figurinhas de generais, poetas e educadores distribuídos pelas escolas; colecionei muitas de Costa e Silva, Geisel, criminosamente misturados com Castro Alves e Marechal Rondon; trocávamos pelas de Jairzinho, Gerson, Tostão e Pelé, que eram mais valiosas para a molecada que já rolava a bola “canarinho” (mas nela injetávamos óleo queimado para que ficasse pesada e parecendo com a “dente de leite”, que só os mais abastados podiam comprar) pelos muitos campinhos da cidade.
As comemorações do Dia da Bandeira, da Proclamação da República e, principalmente, do movimentado 7 de Setembro eram sempre muito esperadas pela meninada; a plateia agitando bandeirinhas, os soldados do Tiro de Guerra de Crateús fazendo malabarismos, manobras e demonstrações arrojadas: nós, os menores, sonhando em sair da rabeira da fila e ir para frente, lugar sempre destinado aos mais altos e bonitos; já quem tinha alguma habilidade disputava lugar na “banda”, que orgulhosamente ostentava seus instrumentos pelas ruas principais. 
Somente nos tempos de estudante em Fortaleza foi que essa imagem idílica da minha infância foi sendo desconstruída, vieram as primeiras leituras sugeridas pelos novos amigos – recordo bem de Cartas da Prisão e Batismo de Sangue, do Frei Betto, A Ilha, de Fernando Morais, dentre outros; apenas na universidade é que essas leituras mais políticas foram dando lugar à paixão pela literatura, desde o apaixonante Feliz Ano Velho, de Marcelo Rubens Paiva, ao Cem Anos de Solidão, recém-lançado por Gabriel Garcia Marquez... 
De todas essas memórias, verdadeiras e falsas, da meninice, coladas e despregadas depois, ficou um gosto meio dúbio pela falsa ordem, pelo moralismo barato, pelo discurso nacionalista, que sobem das pernas, passando pelo intestino, escorregam estômago acima, inflam o peito, mas que, felizmente, rebatem no cérebro, que tenta, coitado, nem sempre com êxito, desconstruir todos esses perigosos mitos da infância.


Nenhum comentário:

Postar um comentário