Poeta,
ensaísta e ficcionista, o cearense Adriano Espínola é autor de uma dezena de
livros, sendo cerca de meia dúzia de poemas.
Neste ano de 2015 ele resolveu reunir o que
de melhor havia em quatro desses volumes de poesia, acrescentando-lhes alguns
inéditos, e o resultado foi o livro Escritos
ao Sol.
Andou bem o poeta em pôr esse título na
obra: com a primeira e a quarta capa amarelas, o livro, publicado pela Record,
do Rio de Janeiro, mostra-nos um artista solar, o oposto dos penumbristas, cuja
obra floresceu às vésperas do Modernismo. É como se o autor fizesse questão de
se dizer filho da região que Gustavo Barroso chamou de “Terra de Sol”.
Postos em ordem decrescente, os livros são Praia Provisória (2006), Beira-Sol (1997), Trapézio (1985) e Táxi
(1986), sendo que os dois últimos quebram a ordem das datas.
No texto que serve de prefácio ao livro, “O
Poeta em movimento”, Eduardo Portella, entre outras coisas, diz: “O poeta,
‘beira-mar/beira-sol’, avança em meio à inconfidência da luminosidade”.
Evocando famoso soneto de Sá de Miranda,
diz o poeta cearense em “Verão”, de Praia
Provisória:
O sol é
grande.
As aves e a
praia, livres.
Tua carne, alegre e ardente.
Sim, sobre ela eu lerei todos os livros.
O poema que dá título ao livro Beira-Sol se inicia com estes três
versos de uma beleza plástica:
Nasce
da luz solar um pescador.
Sobre uma pedra,
fisga a carne prateada.
Trapézio
é todo de haicais; não na forma consagrada por Bashô, no século XVII, em versos
brancos, mas rimados, seguindo a inovação de Guilherme de Almeida, que
introduziu rimas nesse poema. Escolho dois do poeta cearense:
Um só fio dela
− da aranha – se estica e apanha
o sol
na janela.
Pipas no ar, estio.
Alguém na praia sustém
o sol
por um fio.
Como, porém, toda regra tem exceção, o
poema que fecha o volume, “Táxi ou poema de amor passageiro”, o texto mais famoso
do autor, não é tão ostensivamente solar. Mas nos mostra o poeta “bebendo a luz
da tarde refletida em caras que nunca mais verei”, falando da “Fortaleza de
trezentas mil bocas ardentes como o sol”, ou de “farelos de sol sobre a terra
ressequida”, e só. Trata-se de longo poema de notas algo surrealistas e cheio
de inventividade incomum.
Tem o poeta plena consciência do que é a
poesia, por isso não alimenta nenhum tipo de preconceito, como ocorria com os
modernistas da chamada “fase heroica”, os quais fugiam do soneto, confundindo
fôrma com forma. Escritos ao Sol
abriga sete sonetos, todos perfeitamente modernos, e compostos em bloco, como
os compunha Camões. É o caso de “A Serpente”, “Língua-mar”, “Martim Soares
Moreno”, “Matias Beck”, “Silva Paulet”, “O Jangadeiro” e “A Rendeira”. A um
olhar menos atento parecerá que todos seguem o esquema do soneto inglês,
composto de três quartetos e um dístico, como os compostos por Shakespeare.
Isso pelo fato de rimarem entre si os dois versos finais.
Engano. Com exceção do penúltimo, “O
Jangadeiro”, todos apresentam as mesmas rimas nos dois primeiros quartetos.
Reproduzo um dos mais belos, com esquema
rimático em ABBA/ABBA/CDD/CEE. Trata-se de “Língua-mar”, que certa vez vi na
TV, declamado por artistas portugueses:
A língua em que
navego, marinheiro,
na proa das
vogais e consoantes,
é a que me
chega em ondas incessantes
à praia deste
poema aventureiro.
É a língua
portuguesa, a que primeiro
transpôs o abismo e as dores
velejantes,
no mistério das
águas mais distantes
e que agora me
banha por inteiro.
Língua de sol,
espuma e maresia,
que a nau dos
sonhadores-navegantes
atravessa a caminho dos instantes,
cruzando o Bojador de cada dia.
Ó
língua-mar, viajando em todos nós.
No teu
sal, singra errante a minha voz.
Diante de um livro como Escritos ao Sol, a vontade que tem o
comentador é de transcrever quase o livro todo. Mas só o que foi lido aqui já
basta para se conclua que Adriano Espínola é hoje um dos grandes poetas que o
Ceará deu ao Brasil.
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