No conto infantil para
adultos de Júnior Ratts, Rodrigo Blue
é um garoto, como o nome indica, azul. Azul mesmo, até as raízes do cabelo. Blue representa a cor atribuída ao sexo
masculino, a dos meninos, mas pode
ser compreendida – talvez seja melhor dizer ampliada – no sentido de tristeza
e melancolia, que são sentimentos que
envolvem o conflituoso personagem em estado de revelação ou insight.
Rodrigo há semanas mudou-se com os pais
para nova casa e a ele foi destinado um quarto no qual há uma parede quase que
completamente cor-de-rosa, a das meninas.
Rodrigo de súbito enamorou-se de paixão, literalmente, pela parede: “Aquele
menino amava a sua parede. Uma parede realmente linda (...) Rodrigo Blue
poderia desenhar pássaros e borboletas aos montes naquele espaço em rosa de seu
quarto não muito claro.” – o autor insiste muito no fato do quarto não ter
janela maior, apenas uma pequena e perto do teto, e ser escuro.
Sofria Rodrigo em ver uma prateleira de
madeira negra avançando impiedosamente contra a indefesa parede rosa,
machucando-a com seus parafusos apertados, oprimindo-a: “tinha [o Rodrigo] finalmente
a certeza de que não somente a parede estava presa, mas também ele, para
sempre, naquele quarto, quase sem luz.”
Esse é apenas o primeiro grande momento
da angústia e de construção de reflexões de Rodrigo Blue. Em outros momentos,
como criança que é, prefere fechar os olhos e sonhar. E é nos sonhos que
percebe que não quer nem precisa de outras cores, pois aquela, a rosa, lhe
satisfaz. Abre os braços, ainda em sonho e sem medo, “e se deixa tocar pelo
rosa”.
Nos sonhos, o “gigante” Rodrigo se une a
aranhas, bola planos para derrotar aquela prateleira odiosa e perversa –
auxiliada por um grupo de soldadinhos de plásticos furadores de olhos, presentes
de seu avô –, libertar a amada de suas garras, digo, parafusos, e se vai a lugares
cheios de borboletas, “para que o amor não acabasse nunca mais”... mesmo quando
ele ainda se joga embaixo das cobertas com medo daquela sinistra risada no
escuro adentro.
Rodrigo gostava daquela nova casa. E se
gostava tanto, por que mudar? Poderia morar ali para sempre e daquele jeito! E
assim deveria ser a sua parede – o pai ameaçou mudar de cor –, ou ela não teria
o direito de escolher a sua cor e de ser o que ela é? Como fazer seus pais
entenderem que nada havia de errado naquela parede e em sua cor? Que incômodo
ela trazia que carecia que fosse transformada em algo que realmente ela não era?
E qual a vontade da parede? Afinal, “como amar sem saber que aquele amor era
uma vontade dos dois?” ou se você me amaria se eu mudasse de cor?
Chegam momentos de impasse na vida e, como
Rodrigo Blue, quem não gostaria de “fechar os olhos e se deixar envolver por
uma ausência de aflições”?
A
parede cor-de-rosa de Rodrigo Blue, ilustrado pela
designer Dedê Oliveira, ganhador do Prêmio Rachel de Queiroz de Literatura Infantojuvenil
da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, em 2011, é uma narrativa onde o
autor se arrisca em tratar do traço mais íntimo do ser humano que é a sua
sexualidade. Melhor ainda: de sua descoberta e afirmação. Na experiência do
adolescente Rodrigo há atração, pulsão, desejo, toque, descobertas das
sensações e muitas conjecturas, passando pelos afetos, sonhos, na busca da
identidade – ou de sua compreensão –, da fuga do dogma sexual, num aparente monólogo
pulsante – afinal é ele e a sua parede –, a partir do primitivo, quase
instintivo, mas indo bem mais profundo do que isso numa relação surreal,
simbólica de exploração de sua condição humana.
Por meio de metáforas claras e cores-de-rosa,
o texto de Ratts fala da diversidade sexual fugindo dos clichês, dos
estereótipos. Faz pensar sobre a ideologia normalizadora e a sua desconstrução.
Um quarto. Uma parede. Não há doença,
nem perversão, nem se pensa ou se fala em pecado. Limpo como um conto de fadas.
Vibrante como num liquidificador, e apoteótico como num momento, por exemplo,
em que Rodrigo percebe que passava tanto tempo se preocupando com aquela vil prateleira
na parede, que se esquecia de contemplar a sua parede amada, devotar seu tempo e
dizer-lhe, com todo apreço, como ela era linda!
Parabéns ao autor por essa singela expressão
e viva a cultura de paz, afinal, “as mãos quando querem atravessam todas as
cores!”
Serviço Lançamento A Parede Cor-de-Rosa de Rodrigo Blue, de
Júnior Ratts
Data e horário: 13
de março de 2015 (sexta-feira), às 21h
Local: Hall
do auditório da Livraria Cultura (Shopping Varanda Mall – av. Dom Luís)
Antes
do lançamento, a palestra “Literatura e Diversidade Sexual e de Gênero”, parte
do projeto “Diálogos Diversos: diversidade e literatura em questão”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário