Eu podia estar roubando, poderia estar
matando, mas, ao revés disso tudo, estou amando! Sim, falo em amor, essa coisa
tão contrária a si mesmo, porque o sinto tomando o meu passo do caminho fácil, a
transbordar generoso no olhar, no calor das mãos, na coragem de sorrir mesmo
quando ainda me pesa uma lágrima no seu tilintar de pedra na janela esquecida
de sol.
Entretanto, é sabido que amar para
alguns é quase como pentear cabelos diante do espelho. Coisa banal,
rotineiro-mecânica, que se faz (e se diz) sem muito pensar, mirando o tempo
todo para si. “Eu amo porque existo, e só.”
Hoje, percorrendo a vista numa das mil e
duzentos e trinta e três pesquisas que orientam as matérias e artigos desse
mundo “ZapZap”, complexo e perplexo de informação e comunicação instantânea,
encontrei uma que assegurava: “aumenta cada vez mais o número de pessoas que
vivem sozinhas!”
De primeiro, a inquietação da
classificação de “arranjo unipessoal”. Taí, se eu não sabia se queria ser gauche
na vida, me chamar Raymundo, a me comover como o diabo ao luar melalcóolico, seria
então, humildemente, um arranjo desses tais unipessoais, marca essa devido “ao
envelhecimento da população, da queda das taxas de fecundidade e da elevação na
esperança de vida”. Segundo a pesquisa, mais de sessenta por cento de nós “arranjos”
têm cerca de 50 anos e, claro, a maioria da maioria é constituída por mulheres,
pois os homens desistem antes da vida e da tal esperança.
Num contraste essencial das coisas
verdadeiras, o amor é de graça e, por isso mesmo, não sai barato! Ora, a gratuidade
é dentre os pincéis o mais raro na arte de amar. Por alguns, um eterno
desconhecido, persona non grata, ou,
no mínimo, a cereja de um bolo nem sempre de casamento. Experimentar essa gratuidade
na relação é como tirar o anjo torto das sombras e sentir o azular da tarde drummoniana
desse mundo vasto mundo.
Proclamam-se felizes os nerudamantes que
“não têm fim nem morte,/ nascem e morrem muitas vezes enquanto vivem,/ têm da
natureza a eternidade.”
Há uma categoria de seres que fantasiam
o amor de forma brutal, quase como sentença, a corrompê-lo, a extasiá-lo, a
lançar da chaminé a fumaça branca só que sem papa. O ser amado – às vezes a vítima
– é sempre a mais completa figura da ilusão, incapaz de corresponder aos
anseios sufocantes do sentimento incendiário e fumegante de um monóculo
camônico, assumindo o papel ad eternum
de vetor de infelicidade do casal. Imagino um pórtico cabal: “Há de amares
sempre as estátuas, frias, rijas e incompletas, mas sempre idealizadas e de
preferência... mortas!” Daí, todos os dias, passionais crimes e arroubos
cometidos em nome destoutro amor.
Também casais permanecem a vida inteira
a golpear-se – ou mesmo a se ignorarem – na alcova, a sufocarem o desejo de
envenenar o prato do ser amado, talvez por medo da solidão futura, da insegurança
financeira ou pela mais pura covardia. O fato é que amam, disso têm a certeza
absoluta, o que lhes basta e justifica qualquer tipo de barbárie ou sacrifício.
No retrato de honra da sala, poderia até ler a legenda escrita abaixo do casal
sorridente: “Quem mandou?”
De dar dó os amantes shakespearianos,
envoltos num cobertor de tragédias, impossível de protegê-los do frio que a realidade
da noite lhes reserva. Nem vou mentir, um dia eu também amei gente morta, mas
era muito criança ainda e cria em fantasmas.
Hoje, com tempo de adquirir vergonha –
embora por instinto de sobrevivência não o devesse –, ainda creio no amor e
amo, incondicionalmente, numa gratuidade frouxa de rir, claudicante, mas livre,
contra moinhos de vento. Coração para um lado, olhos para outros, numa intensa
e torrente ternura a afogar-me os desejos e quereres e a me deixar na mais fronteiriça
companhia e à deriva dos meus eus...
Meu amigo, Raymundo Netto, considere-se feliz por amar! Esse belo sentimento é essencial à vida. Como diz a canção: "...quem nunca amou não merece ser amado"! Todas as formas de amor são presentes de Deus.
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ResponderExcluirEu amo suas crônicas.
ResponderExcluirDescobri, Lourdinha, que é o que melhor faço na vida. Amo como respiro, discretamente, sem suspiros espetaculosos, embora tenha um vasto nariz e fôlego curto. Ah, não é fácil.
ResponderExcluirMeu amigo, Nirton Venâncio. Gostei do seu amor de graça também. Você é artista. Entendeu o espírito da coisa.
ResponderExcluirNotícia alvissareira... Bem-aventurados os que amam, e amam sob todos os aspectos. Crônica muito bem escrita, leve, sensível e poética. Abraço, caro escritor, JG.
ResponderExcluirJoão, muito obrigado pela sua leitura. Seja sempre bem-vindo, meu amigo.
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