Como há coisas que ingenuamente penso que só acontecem comigo, espantar-me eu nem sequer me espanto mais quando bato de frente com o inesperado. De tanto ocorrerem, quase já se tornaram rotina em meu atribulado cotidiano. Ontem, por exemplo, num dia absolutamente comum, desses que vive qualquer cidadão, conheci, na padaria a poucos quarteirões de casa, o primeiro “Não - Poeta” de minha existência. E olhem que já faço parte do alencarino cenário literário faz muito, muito tempo. Aliás, há mais tempo do que gostaria, porque haja paciência para aguentar e tratar civilizadamente o batalhão de chatos profissionais que proliferam nesse ramo da atividade humana. São os chamados ossos do ofício, percalços inevitáveis de quem escolhe percorrer esse mais que concorrido caminho das letras. E não foi por falta de aviso.
Pois muito bem. Onde estávamos mesmo? Ah, sim. Numa padaria bem sortida, na qual este suburbano escriba tentava calmamente comprar um saco de pão de forma e algumas rodelas de salame. Mal cheguei a escorar-me no balcão, o tal de “Não – Poeta” não perdeu tempo assim que me reconheceu. Prontamente, foi logo se apresentando com a maior desenvoltura. Estendeu-me a mão num gesto largo, cheio de sorriso e de uma discreta empáfia, assim falou: - Prazer, você é Fulano de Tal, cronista de jornal. – Respondi que sim e ele retrucou: - Meu nome é Sicrano da Silva e sou um Não – Poeta! – Que sorte a minha, pensei cá com meus inexistentes botões, já que estava envergando uma gloriosa camiseta do meu amado Botafogo. Eu, que entrei aqui para levar salame e pão de forma, tenho agora, de lambugem, o supremo privilégio de conhecer o único “Não – Poeta” de todo o universo.
A esta altura do campeonato, eu talvez carecesse de indagar o que diabo seria um “Não – Poeta”. O próprio me poupou o trabalho de cansar o bestunto com tal perquirição, definindo, de modo preciso, sem que eu precisasse dizer mais nada, a sua literária condição. Ora, nada mais fácil de saber, pois “ Não – Poeta” trata-se de todo aquele que cultiva a suma pretensão de fazer a “Não - Poesia”. Mas, afinal de contas, que seria essa tal de “Não – Poesia” no jogo do bicho? Que apito ela tocaria na charanga dos poemas? Em primeiro lugar, explicou-me ele, é importantíssimo jamais confundir a “Não – Poesia” com a “Anti – Poesia”, que é a negação da poesia e, portanto, tão poética quanto aquela que almeja negar. Em verdade, a “Não – Poesia” define-se como o nada multiplicado por coisíssima nenhuma elevado à concretina potência. Entendido? Ficou claro? Limpo de dúvidas? Querem um exemplo?
Se assim o querem, lá vai um: “o pássaro e outra encruzilhada e torre de radar e ninho, o voar que as asas têm dentro do quarto”. Alguém capaz de compreender? Nem eu. Entanto, que ninguém se sinta vexado por causa disso, pois propositalmente a “Não – Poesia” há de ser feita para não ser compreendida. Sabem como é essa questão ambígua de princípios, vamos dizer assim, supostamente estéticos. Como é do conhecer de todos, desde tempos imemoriais, o poeta é poeta pelo simples fato de que não pode deixar de sê-lo. Agora, “Não – Poeta” qualquer um o pode ser. Basta dizer que é, nem precisa escrever. O “Não – Poeta” comete o seguinte modus operandis: cerca-se de vários dicionários e sai catando palavras ao léu. Mistura tudo, depois despeja no primeiro papel à vista. O “Não- Poeta”, quando em fase radical, prefere papel de embrulho de açougue ou peixaria. A única desvantagem de ser “Não – Poeta” são as não – musas, a não – paixão, o não – aplauso, o não – leitor.
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