Moral da História: a vida é o exercício do perder!
Essa fábula ao
inverso, nada mais é do que a minha tese de pós-torturado da faculdade da vida,
na qual nem pedi a inscrição, mas onde tenho cadeiras obrigatórias desde o
primeiro tapa, e onde jurei: até a morte hei de viver!
Pois sim, que não acreditem em mim, mas
é mesmo a vida tão querida, entre as tantas coisas que desaprendi, um exercício
de perdas! Desde a nascença, nada nos é tão certo quanto a perda, cosida,
pontilhadamente, até de um dia perder a própria vida. Vai-se infância, saúde,
amores, amigos, cabelos e, dolorosamente, os dentes. Tudo se vai e, acreditem
pelamordedeus, rapidamente num cadinho.
Nesses meus quase sessenta anos, já
perdi tanta coisa, deixei tanto para trás, nem vale a pena o sofrer por isso.
Ciente da prática de perdas, tenho desapegado franciscanamente, exercitado ao
máximo, a ponto de, às vezes, ficar me rindo da ausência do peso das tantas
coisas que não tenho. Sempre disse: Posso perder tudo, menos as pessoas. E as
tenho perdido mesmo assim, aqui e ali, sem jeito.
Por que é charmoso e chama a atenção,
vez ou outra grito a todo pulmão: “Desisto!”, mas continuo insistindo nas
mesmas burradas a perguntar-me por que as coisas não me hão de nunca dar certo.
Chego a ter dó de mim, um dó em si tão
grande de fazer choro, não fora eu um nordestino, sem dinheiro no banco, sem
parentes importantes e nascido embaixo de fogos de São Pedro. É quando me
lembro da passagem literária, essa de Queiroz, d’Os Maias, em seu último
capítulo, quando Carlos e o João da Ega, em uma conversa descontraída de meio
da rua, conceituam os românticos de “indivíduos inferiores que se governam na
vida pelo sentimento e não pela razão...” e resumem: “não vale a pena viver!”
Explicam inda mais: “Não valia a pena dar um passo para alcançar coisa alguma
na Terra, porque tudo se resolve, como já ensinara o sábio do Eclesiastes, em
desilusão e poeira.” Aconselham: “Não saia deste passinho lento, prudente,
correto, seguro, que é o único que se deve ter na vida.”
Os dois fanfarrões
estavam convictos da descoberta da fórmula do mais seguro viver: “não fazer um
esforço, nem correr com ânsia para coisa alguma... Nem para o amor, nem para a
glória, nem para o dinheiro, nem para o poder...”
Foi quando avistaram, ao longe, uma
carruagem. Atrasados que estavam, entreolharam-se e “os dois amigos romperam a
CORRER desesperadamente pela rampa de Santos e pelo Aterro, sob a primeira
claridade do luar que subia”.
E é assim, meus amigos, que corremos
quando temos que correr, pois a vida não espera, mas das vezes temos que parar
um pouco e apenas olhar o movimento das ruas, encantar-nos com as pessoas que
nunca víamos chegar, ouvir histórias demorosas com amigos, arriscar novos
pratos, novos sons, tomar banho de chuva e de sol, nunca dizer “nunca” nem
“sempre”, pensar menos no passado e no futuro, viver mais o presente, ganhar o
mundo, não pentear sempre os cabelos, nem fazer sempre a barba — trocar a cueca
sempre é bom —, mas acima de tudo isso, fazer as pazes com a gente mesmo, não
nos cobrarmos tanto e dar-nos a pequena chance de não nos perdermos, a não ser
de amor.
Uhu, Dom Netto! Ganhei! Apesar de mais de 60 anos no exercício vital do perder, hoje ganhei. Talvez diga melhor: ganhamos. Tu pelo exercício da escrita, eu pelo da leitura. É que a vida, até que a morte chegue, tira com uma mão mas entrega com a outra. Por exemplo: quinzenalmente, às segundas, vai-se o peso da segundona, chega a leveza do absurdo crônico cheio de graça. Dom Netto, chegaremos bastante leves à morte, mas sem nenhuma pressa. Que a carruagem da Foice sempre se atrase e nós nunca sejamos pontuais! Não pude evitar: sempre e nunca, enquanto há vida, estão sempre à espreita, nunca descansam. Dom Netto, com a chegada da morte, ganharemos outra vez: deixaremos para trás uma vida de perdas. Ganhará a vida também. Deixaremos nossas lembranças para aqueles por quem nos perdemos de amor. Um abraço.
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