Não tendo outro jeito, separou-se.
No começo, sempre difícil, buscava a companhia
solitária e ilusória das multidões. Com o tempo, aquietou-se, arranjou um
apartamentinho, organizou-o com suas coisas, acomodou e acostumou-se. Melhor:
passou a curtir o silêncio e a sua solidão, esta, sim, para ele, libertária.
Numa ironia terrível, bem própria da incoerente
existência humana, na qual afirmamos amar a vida, todavia nos deitamos com a
morte, enquanto gostava daquela situação, sentia precisar de mais alguém.
Apesar disso, ciente de ser um incompreendido e da sua indisposição em acordar
qualquer coisa que lhe restringisse o mínimo de espaço – tinha asmas emocionais
–, decidiu viver a dois consigo mesmo.
Então, nos restaurantes, bares e cafeterias,
passou a pedir tudo em dobro. Dois cafés, dois pães, dois pratos, dois pares de
talheres... e até a se divertir em jogos de tabuleiro, de cartas e palavras
cruzadas. Dava gosto vê-lo alegremente falando alto, conversando, lendo livros
regados a chás, discutindo o cardápio e planejando viagens juntos. Fazia longas
caminhadas no parque pela manhã. Um cuidava da saúde do outro, sempre achando
que esse outro, por ser da mesma idade, deveria estar tão bem quanto.
A princípio, os vizinhos e moradores do bairro
estranhavam, mas, com a rotina, já os reconheciam como gêmeos, percebendo nos
modos, na fala e até no olhar, naquele instante, quem era quem.
Sabemos, entretanto, que a vida em comum é um
exercício. Com o tempo, a falta de privacidade e o excesso de intimidade podem
pôr abaixo a mais sólida relação. Ele começou a desanimar. Irritava-se com
frequência. Diante das discussões, jogavam na cara um do outro os seus mais
inconfessáveis e inegáveis defeitos e contradições. Assim, aquela convivência
se tornou intolerável. E, um dia, como é comum acontecer nesses momentos,
estavam no café, quando surge à luz da manhã uma moça belíssima. Não demorou
para que eles chamassem a sua atenção. Ela, curiosa e atrevida, aproximou-se,
pediu licença e sentou-se à mesa.
Desacostumados com outro contato que não entre
eles próprios, apresentaram-se, atrapalhados, a lhe perguntar coisas, as mais
banais e supérfluas. A moça sorria: “Calma, rapazes, um de cada vez...”. Ao
sair, colheu os números de seus celulares.
Sim, eles estavam completamente apaixonados.
Mas tinha que ser pela mesma mulher? Agora, o que estava ruim ficou ainda pior:
evitavam-se, faziam refeições em separado, brigavam para usar o banheiro,
trancavam-se em seus quartos à espera daquela ligação. E ela ligava.
Incompreensivelmente, para um e logo depois para o outro.
Um dia, ao acordar, ele sentiu um estranho
vazio. Correu à sala e encontrou um bilhete. O outro fugira de casa para viver
ao lado dela, o seu grande amor. Fizesse o que quisesse com suas coisas. Não
queria saber de mais nada. Por fim, desculpasse. Se possível, enviaria
notícias.
Aquilo foi demais. Ele, abandonado e
irremediavelmente sozinho, não resistiu e se matou, não suportando a
inigualável dor daquela dupla traição.
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