O polêmico
infortúnio do Hotel São Pedro (ou Iracema Plaza), edificação em forma de
navio, que singra a região desde 1951, um dos pioneiros do ramo hoteleiro na
orla da cidade, entre outras peculiaridades arquitetônicas e turísticas, é
apenas mais um capítulo da nossa Fortaleza distraída e ambiciosa. Uma cidade
sem passado, sem rosto, sem futuro possível.
Há quem diga, no discurso nostálgico, idealizado e falso: “Antigamente
as pessoas respeitavam mais o que era antigo”. Isso é uma disparatada ilusão e,
para não romantizar mais, outra mentira! Contamos nos dedos as nossas edificações
construídas no século XIX. As poucas que restam, e muito poucas – por
experiência, em breve, ainda menos –, datam do início do século XX, pois que
nossos pais e avós, que Deus os tenham e os perdoem, já gostavam mesmo do
“novo”, dos “modismos”. Naquela época, patrimônio era apenas uma palavra
horrorosa e sem sentido, a não ser para aquela minúscula e sempre poderosa
parcela privilegiada que já nasce em berço de ouro (que depois vira patrimônio
e até razão de morte em família) e que sabe bem o valor que um patrimônio (financeiro)
tem. Daí, em 2024, quando o exótico e imponente prédio completa 73 anos de
existência e divina resistência, nós fazemos com ele o que a sociedade
ignorante, consumista e desperdiçadora faz com os nossos idosos: os reconhecem
como inúteis, desprezam a sua história, o seu legado, os seus feitos em vida
produtiva e passam a desejar que se vão, que morram logo para não dar mais
trabalho e ocupar aquele lugar que poderia ser de outro. Afinal, já viveu
demais... e o povo gosta mesmo é de plástico, espelhos, silicone e BBB!
Vejamos: há 18 anos – acredite, tempo suficiente –
teve início o seu processo de tombamento. O que foi feito desde então? Nada!
“Deixa cair! Quero é ver!”
Acontece algo assim também com outro prédio na
cidade, que, como não poderia ser diferente, pertence a uma família iletrada,
rica de dinheiro e de cultura de TV. O proprietário já afirmou, com toda a sua
autoridade (ou boçalidade) política e bancária: “se tombarem, eu o derrubo!”
Lembremos da inocente canção: “quem tem mais do
que precisa ter, quase sempre se convence que não tem o bastante.”
Coincidentemente, desde o início do processo, o São
Pedro ficou à deriva diante do esvaziamento dos últimos moradores e do seu
desrespeitoso, gradual e acelerado desmonte. Alia-se a isso, a falta de decisão
e de ação do Poder Público (uma legislação que treme feito vara verde) e os
conflitos de interesses com a família proprietária, irmanando-o com o “Mara
Hope”, outro “encalhe” na nossa deflorada Praia de Iracema, a praia dos amores,
que devem estar por vir com os escafandristas do futuro buarqueano.
Nos meus inquietantes sonhos, esses concentradores
de renda têm a noção de retribuir à cidade e à sociedade – que bem sabem ser
explorada a seu serviço – esses patrimônios. Que as grandes construtoras,
curiosamente generosas em doações abundantes e “despretensiosas” durante as
campanhas políticas, unidas, usassem desses recursos na solução de casos como
esse, quando a engenharia poderia mostrar o seu valor. E que os gestores, com
coragem e mais atentos aos clamores sociais (e não políticos, partidários e/ou
econômicos) e àquilo que a sociedade precisa, mesmo quando não entende ou não
sabe, abraçassem essas causas, articulassem parcerias estratégicas e
inteligentes, tomassem a frente de campanhas de mobilização de recursos para
cumprir e fazer valer o idílico “pertencimento”. E que o nosso “Titanic de
tijolos”, que há quem diga “Nem Deus derruba”, não se choque com o vil iceberg
“da força da grana que ergue e destrói coisas belas.”
(*) texto adaptado do anterior de 2021, mas como nada mudou...
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