Para o amigo Manuel Bulcão
Todo mundo sempre me dizia: quem tem depressão, não pode deixar as portas fechadas!
Não entendia o porquê das portas, mas sabia, sim, o
que era depressão. Uma tristeza sem fim, sem razão, e, ao mesmo tempo, com
todas elas. Uma sensação de vazio imenso, a angústia, o coração apertado, uma
vontade sofrida de chorar... Aliás, certa, certa, só mesmo essa vontade, quase
vergonhosa, de chorar.
Geralmente, minha casa estava escura. Trancava as
portas e as janelas, não queria ver ninguém. Era doído mostrar um sorriso de
aparência, fingir atenção ao ouvir as medíocres histórias do dia a dia de todo
o mundo, assisti-los a rir de piadas velhas ou a me contar de suas esperanças e
crenças e, o pior: vê-los a zombar das próprias desgraças!
Televisão ou rádio, eu nem ligava. Ouvia música,
sim, mas sempre, sempre, as percebia tão tristes quanto eu. No mais, sempre me
diziam: Olhe, quem tem depressão nunca pode deixar as portas fechadas, hein?!
Pus a fazer assim: não as fechavas mais, contudo,
também não aparecia mais à porta, para que não me vissem, não me
incomodassem... esquecessem de mim! Então, quando os mendigos ou carteiros
batiam palmas no portão, eu ficava imóvel, silenciado, olhando pela fresta da
basculante até eles se irem de vez.
Eu escrevia. E escrevia sempre, seja o que fosse,
escrevia. A cabeça sempre ocupada, cheia de pensamentos a se acotovelarem, não
me deixando dormir. Assim, varava as madrugadas e escrevia. Os meus dedos
cumpriam por mim aquelas prometidas caminhadas pela praça ou à beira-mar recomendadas
pelos amigos como terapia. Eles já achavam: precisava de terapia.
Em minha mente se passavam todos os tipos de
acontecimentos, porém, na minha vida mesmo, sentia que nada acontecia; nada me
suportava a vida!
Sentado diante do computador, lembrava momentos
passados, rostos quase esquecidos, antigas promessas, dentre elas a maior, a da
felicidade, feita ainda à juventude, que se foi sem que me desse conta. Não
acreditava um dia envelhecer. As pessoas diziam: “mas você não tem nem quarenta
anos!” Eu nem que acreditava...
Olhava a caixa de mensagens de cinco em cinco
minutos: nada! Ficava pensando que logo, logo, alguém escreveria falando de
seus planos e eu, com ele, sonharia, desfiando o sonho alheio, ponto a ponto,
até cansá-lo e tirar-lhe o gosto. Eu mesmo, fazia tempo, não colecionava
sonhos, não esperava por nada nem por ninguém. Eu não acreditava mais.
Nisso, de repente, um vento entrou e fechou-me a
porta da sala. A casa escura! Lembrei: quem tem depressão não pode deixar as
portas fechadas!
Senti medo. O que aconteceria, então? Vozes
frequentes ao pé do ouvido mudaram o discurso: ele morreu? ele morreu? ele
morreeeu... Uma sombra pesada em tom de cinza pairou sobre minha cabeça. O frio
desceu-me a nuca e fiquei em silêncio, atônito, a esperar, mas nada aconteceu.
Na sala, tudo parecia olhar para mim: os livros, os quadros, as prateleiras, as
canecas... até o gato que numa apatia incômoda não ria nunca, também me
fitava... eles sabiam... mas nada aconteceu!
Fui ao banheiro, olhei para o espelho, e não era eu
quem estava lá. A garganta apertava-me, e eu chorei, chorei, chorei, abri as
torneiras... mas nada aconteceu. Nada acontece nunca e nunca mais abri as
portas nem os olhos, trancado para sempre na minha mais absoluta solidão.
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