Desde que Jandira anunciou
a ela o inesperado namoro entre Ramon e Virgínia, Vitória se pôs a investigar o
paradeiro daquela que fora a sua melhor amiga e companheira dos tempos de infância
e adolescência no colégio.
Nas
reuniões anuais entre as colegas daquela instituição de formação católica –
elas, às vezes, nem tanto –, a ausência da divertida Virgínia era notada,
contudo, havia logo um breve silêncio seguido por uma mudança drástica de
assunto. A própria Vitória perguntara diversas vezes por “aquela danada”, mas
ninguém a respondia... e agora ela imaginava o porquê.
Conseguiu,
com muita insistência, o seu número de telefone. Ligou. Para Virgínia foi uma
surpresa atroz: Vitória a convidava para um encontro. Precisavam conversar.
Após a primeira ligação, quase maquinal, veio a segunda, a terceira, já com
sinais de irritação, depois a derradeira, até finalmente convencê-la.
Era
uma tarde de domingo. Após a costumeira missa, Vitória a encontrou em um banco
de uma significativa praça do passado, embaixo de uma árvore que um dia
chamaram de “nossa”. Embora não tivesse certeza do rumo que aquela conversa
tomaria, determinada, Vitória estava tranquila, ao contrário de Virgínia,
absolutamente incomodada.
Vitória
foi objetiva. Com a fala pausada, contou como soube da morte de Ramon, do seu
encontro com Jandira, e de um suposto namoro entre Ramon e ela: “Você nunca me
disse nada. Não me procurou. Nós éramos amigas. Por quê?”
Abalada
e com uma expressão emotiva, Virgínia, a princípio, relutou a externar toda
aquela memória doída e traumática, porém, talvez por ainda guardar em seu
íntimo alguma centelha daquela amizade antiga, aos poucos deixou transbordar tudo
aquilo que a machucava há tantos anos, coisas a que ela atribuía a sua atual
infelicidade e a sequência de pesadelos de sua existência. Para ela, Vitória
foi uma sombra que a perseguiu em tudo. Ela era a causa de tudo. Sim, ao
conhecer Ramon, egoísta, abandonou a amizade e desprezou, sem explicação, a sua
presença. Ela, Virgínia, assistiu ignorada àquele amor que ela não tinha e, nem
teria, pelo mesmo homem: “Como a mim, você também o rejeitou. Éramos, nós dois,
os usados e excluídos da sua vida à sua conveniência. Aproximei-me dele.
Entendia o que sentia. Tentei confortá-lo. Ele quis namorar e eu me entreguei, pensando
conseguir fazê-lo tão feliz quanto ele era com você. Não consegui.” Suspirou
profundamente, conteve a dor daquele insuportável fracasso e continuou: “Ele,
nem sei se tinha consciência disso, me chamava por seu nome, perguntava-me de
você, queria saber histórias suas. Insistia em sabê-las, mesmo quando eu não as
queria contar. Ah, que eu achava doentia essa fixação dele, mas, com pouco, percebi
ser ainda mais doentio eu me render a isso, fazer esse papel de sua dublê. ‘Gêmeas’...
era assim que nos chamavam, não era?”. Meneou a cabeça, baixando a testa por
sobre o punho: “Por quê? Deus, eu queria que desse certo, pois eu o amei... Mas
ele não. Ele sempre a amou. Só a você. Mesmo depois de tudo... Ah, que ódio eu
sentia de você, Vi. Quis que morresse, nos deixasse em paz! Pensava: o que essa
mulher tem nessa boca que o enfeitiçou assim? Você é uma bruxa. Lembra? Eu
sempre disse que você era uma bruxa.”
“Me
beija.”, disse Vitória subitamente. Pasma, Virgínia perguntou se ela estava
maluca. “Anda, me beija. Você não quer saber como eu enfeitiço as pessoas? Me
Beija. Ou não tem coragem?” Desafiada, Virgínia tomou seu rosto entre as mãos e
a beijou. Um beijo de almas, repleto de mágoas, mas também de saudades. Dois
corações frágeis, ali irmanados em incertezas e conflitos profundos. Depois, olhando
firme nos olhos tristes da outra, Virgínia manifestou um primeiro e ainda tímido
sorriso: “Não, não é lá essas coisas... Eca!” E esfregou a manga da blusa nos
lábios, estendendo uma gargalhada represada na juventude, compartilhada com
Vitória, naquele momento, com os olhos cheios d’água. Como meninas, abraçaram-se
e falaram por horas, sem parar. Vinham-lhes lembranças, dores, angústias, mas
também as alegrias e descobertas de uma vida inteira.
Anoitecia
e ainda podia-se ver aquelas mulheres de mãos dadas no banco, envolvidas num
halo de emoção, quando, em um instante, Vitória beijou o dorso da mão da amiga,
suspirou e a revelou: “Ele... Ramon... me pediu em casamento.”
(continua em 15 dias)
esse escritor...haja criatividade. admiro sua escrita.
ResponderExcluirMuuuito obrigado, Lucirene. Aguarde cenas dos próximos capítulos. rsrs
ExcluirVocê sempre nos prende com suas narrativas cheias de detalhes e situações cheias de surpresas.
ResponderExcluirMuito obrigado, Malvinier. Está acabando essa novelinha. Em breve, o final. Conto com a sua leitura.
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