Vitória batia à porta de Jandira logo na manhã seguinte à súbita conversa
telefônica na qual revelava: “o coração de Ramon parou pela segunda e última
vez”. Conforme a lacônica irmã, a primeira fora quando se sentira rejeitado
pela mulher amada: “Depois daquele dia, nunca mais foi o mesmo. Acabou-se,
fechou-se para o mundo e para a vida.”
Surpresa, Jandira abriu a porta para
Vitória. No entanto, entre a hesitação de convidá-la ou não, a assistiu entrar ligeira
na sala, pelo visto trazendo o mesmo peso de silêncio na alma. Não a ofereceu
nada, nenhuma gentileza ou cordialidade. Vitória parecia abalada, como se
procurasse algo que perdera e que, apesar do tempo, nunca dera conta. Sentou-se
no sofá e pediu desculpas por não a ter reconhecido por nome durante a ligação.
Claro, era a irmã de Ramon. Não a conhecera pessoalmente, mas o namorado falava
muito dela, pois sendo eles órfãos, Jandira era o que ele tinha, não apenas
como família, mas como mãe. Jandira sentou-se na cadeira de balanço ao lado de
um antigo aparelho de TV. Sentia alfinetar os olhos, disfarçou o tremor do
queixo, mas não chorou: “É verdade, eu era ‘irmãe’ dele... do Ramon. Pobre
menino, se deixou levar.”
Vitória, com um incômodo sorriso de
canto de boca e o olhar perdido no além, ajeitou os óculos e pôs-se,
carinhosamente, a falar dele, do adolescente que ele foi, coisas das quais
conhecera bastante e compartilhara com ele mais do que com qualquer outra
pessoa. E, naquele instante, estranhava ela própria ainda lembrar de tudo
aquilo com tantos detalhes. Entre essas lembranças, não diria nunca, mas estava
aquela casa. Só fora ali uma única vez, a namorar, justamente aproveitando a
ausência de Jandira.
A irmã ouvia em um misto de indignação
e de saudade. Uma vontade de mandá-la à rua. Ao mesmo tempo, de trancá-la e guardar
para sempre aquelas memórias tão queridas. Suspirou e, de repente, ergueu-se: “Quer
conhecer o quarto dele? Está como ele deixou. Não tive coragem de...” Engoliu a
voz, espremendo toda sua dor no rosto vermelhecido.
Vitória levantou-se assombrada. De
certa forma, achava quase um sacrilégio entrar no quarto do ex-namorado, mas a
curiosidade aliada àquela tensão a conduziu.
Seu coração batia forte ao entrar no
quarto úmido, escuro e abafado. Impossível não ser contaminada pela melancolia ali
apresada. Jandira abriu a janela e saiu.
Vitória, sem ter a certeza de que
deveria ou queria estar ali, passou um tempo em pé, quase imóvel, segurando com
as duas mãos a alça da bolsa encostada nos joelhos. Após uma breve panorâmica,
caminhou lentamente pelo quarto de piso em tacos, a começar pela mesa de
trabalho onde encontrou em um velho porta-retrato – um presente dela – uma foto
do casal. Ela sorriu. Pareciam tão felizes, tão lindos. Largou a bolsa no chão
e, involuntariamente, trouxe com as duas mãos o retrato ao peito, enquanto na
sua memória despontavam vozes, promessas e risos, muitos risos. Sim, estavam
felizes. Se amavam. E pela primeira vez em tantos anos verteu uma lágrima,
talvez não por ele, mas por ela, por aquela felicidade pintada no retrato,
apenas nele, não a reconhecendo mais. Mantendo-o ao peito com uma das mãos,
passou a vasculhar em torno com a outra. Livros, revistas, canetas, uma antiga
máquina de escrever, o notebook e, preso a um clipe, uma outra foto. Desta vez,
não é ela, mas outra: “É Virgínia.”
“Virgínia e Vitória”, desde a escola apelidadas
de “as gêmeas” devido à semelhança física e a amizade “grudenta” entre elas. Não
havia segredos. Viajavam juntas. Dormiam uma na casa da outra e, durante um
tempo, até usavam roupas iguais. As melhores amigas, até o surgimento de Ramon,
já no ensino médio. O namoro deles, naturalmente, as afastou. Pensava nisso ao
olhar aquela desconhecida foto, quando Jandira entrou no quarto: “Você se
lembra dessa moça?” “Sim, claro, é... era minha amiga”. Jandira deitou, lenta e
pensativa, uma bandeja com uma xícara de café sobre a mesa e, com um tom
enrouquecido, revelou: “Ela namorou ele quando você... você sabe.”
(CONTINUA DAQUI A 15 DIAS
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Vitória é Mulher de muitas Vitórias nalegria e na tristeza
ResponderExcluirQue trocadilho interessante...
ExcluirVitória é Mulher de muitas vitórias
ResponderExcluirCom certeza.
Excluirpronto, agora embatucou de vez. sei mais nada.
ResponderExcluirAi, meu Deus... e agora? rsrs
ExcluirAssim vc me mata de ansiedade pelo final....
ResponderExcluirNão morra antes de terminar, por favor...
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