Vinte e cinco anos depois,
não parecia ser o seu aniversário se Vitória não recebesse aqueles lírios azuis
e os colocasse no vaso da mesa de centro da sala, bem ali, diante de Carlos, seu
então marido, e da família que crescia.
Do nada, à noite, na hora da bem
frequentada e animada comemoração, não seria estranho se nós a encontrássemos
mergulhada no sofá, os pequenos pés na mesinha de centro, bebendo uma taça de
vinho, sorrindo sozinha, com o pensamento distante e os olhos voltados para os
lírios, alheia à zoada de Carlos, a trocar velhas e grosseiras piadas com seus
amigos já alegremente bêbados, tirando troça com as suas esposas, boa parte
delas, assim como de seus filhos, espalhada nos cômodos do apartamento ou em
fuga nos celulares, videogames ou na TV.
Ao final da festa, no silêncio mais
perigoso da noite, saía preguiçosamente a colher as taças e os pratos
esquecidos na varanda e na sala. Ao cruzar pelos lírios, chegava-lhe, como um
sussurro: “Ele ainda pensa em mim.”
No entanto, jamais ligou para Ramon. Não
mandava e-mails nem mensagens de mais simples agradecimento. Se quisesse, ele
procurasse por ela. Não se esquecia de seu aniversário, de enviar aqueles
lírios, por que não ligava? Tanto tempo se passou desde a última vez que se
falaram... não poderiam ser amigos? E assim, a vida tomava o seu rumo. Na
verdade, ela, imersa nas atividades profissionais, nos cuidados com os filhos,
com o marido e com a mãe viúva, nunca se lembrava de Ramon, até receber aqueles
lírios azuis.
Nos frequentes encontros com as amigas
da escola, em divertidos momentos de revelações constrangedoras e lembranças
batidas do passado, vez ou outra alguém perguntava por ele e, espontaneamente,
todas olhavam para ela, esperando alguma novidade que nunca veio.
Contudo, chegou mais um esperado dia de
seu aniversário... e nada dos lírios! Vitória estranhou. Não podia ouvir tocar o
interfone, que logo pensava: “São eles!” Mas não eram. Ligou à portaria. Perguntou
se deixaram algo para ela, e avisou que não sairia de casa, caso chegassem.
Ansiosa, parou em frente ao espelho do
banheiro. Incomodou-a as raízes brancas dos cabelos, as rugas em torno dos
olhos tristes ao simular um sorriso desmotivado, a falta de um pulsar que embaraçasse
o coração. Estava velha? Acabou, é isso? Nunca mais?
O marido, ao contrário, chegava entusiasmado,
trazendo cerveja e carne para churrasco, fazendo algazarra com os filhos. Era
também dia de jogo e havia chamado os amigos. Vitória respondeu com uma
imediata dor de cabeça. Fechou as cortinas do quarto e colocou o lençol no
rosto para esconder o sofrimento que lhe escorria na face.
Foi aquele o aniversário mais
deprimente de sua vida. Os amigos estranharam: “Ela tá doente?” Carlos não notou:
“Está? Não sei.”
No sofá, fingia a duras penas ouvir as
amigas sobre a nova série daquele “homem liiindooo”. Evitava olhar para a mesinha
de centro, desnuda e profundamente triste, a suportar no peito a dor do misterioso
abandono.
No dia seguinte, dormira mal, ficou em
casa. Inconformada, decidiu ligar para ele, mesmo faltando-lhe o ar e a
coragem: “Alô, Ramon?” Porém, do outro lado da linha, uma mulher: “Pois não,
aqui é Jandira.”
Que maçada! Claro, ele poderia ter
outra pessoa, sabia lá, uma esposa, namorada... Jandira continuou: “Mas esse
telefone é mesmo do Ramon. Quem deseja falar com ele?” “Uma amiga”, respondeu. A
voz do outro lado da linha alteou: “Ah, você é a mulher dos lírios?”
Em pânico, Vitória desligou o telefone
e caiu, quase desmaiada, no sofá: “Que burra!”.
O telefone tocou. Era Jandira. Mesmo assustada,
Vitória segurou a respiração e o atendeu, afinal, não devia nada a ninguém. A
mulher foi direta ao assunto: “Eu sou a irmã dele. Ramon está morto.”
(CONTINUA
DAQUI A 15 DIAS)
poxa Raymundo, não foi nem a morte, kkkk foram os lírios que nunca mais fariam a felicidade. ressuscita!!
ResponderExcluirEssa é que é a história, Lucirene...
ResponderExcluirQue tensão pra saber o final dessa história!!! Ansiosa
ResponderExcluirMas valeu muito.... durante anos ter recebido estes lírios .....e quantas nunca recebem!!!!!
ResponderExcluirÀ moda dos folhetins
ResponderExcluirEspetacular.
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