Parece mentira,
mas não gosto de mentir.
E
o quanto não gosto de mentir, gosto em igual volume de dizer “Eu não minto!”.
Isso irradia em mim uma sensação de liberdade incrível, comparável até ao
quinto, não digo o mesmo para o sexto, mas ao exato quinto dia útil do mês.
Minha
mãe, que já herdara esse defeito da mãe dela, detestava a mentira. Para ela, a
maior traição. “Quem mente engana a si mesmo!”, repetia com bravura adolescente
a quem quisesse ouvir, muitos até, de berço, praticantes do exercício
fraudulento da palavra, que ficavam boquiabertos – principalmente se fossem
pacientes dela, que era dentista – diante daquele monumento humano de
honestidade e inocência. No mínimo, pensavam: “Aí mente...” ou, os mais
crédulos, “Ah, coitada...”
Decerto
que mentir socialmente pode ser considerado um treino da criatividade e/ou da
diplomacia, muito útil para calar aqueles instantes de incômodo silêncio nos
quais não é saudável trocar palpites sobre política, futebol ou religião,
restando pouco a fazer com a língua. Há quem diga, inclusive, que mentira boa é
aquela mais convincente, mais verdadeira do que a duvidosa verdade – muitas
vezes, por razões morais, preferem chamá-la de “alegoria” ou “retórica”.
Ah,
e por falar em língua, os bons escritores, verdadeiros canhões da lorota, não
pagam por ela, mas por sua pena falaciosa. Isso, quando não transferem o seu
talento para a vida prática, mais especificamente para alcova, sede do
imaginário ultrarromântico, gastando uma torrente que, melhor aplicada, daria
para forjar romances épicos, em vez de crises conjugais ou crimes passionais
sob a luz do luar.
Alguém
pode confessar, saramagueando o próprio, que seria muito violento viver se não
existisse a mentira. Pessoas que, a Milli Vanilli, fingem tão
completamente ser o que não são que acabam por perder a identidade e a
confiança, tal qual aquele pastel mineiro sem recheio, cujo nome popular é
“mentira”. E por falar em Minas Gerais, foi de lá que se iniciou no Brasil o
Dia da Mentira, quando em 1º de abril de 1848 publicaram um periódico
denominado, acredite: “A Mentira”.
Eu,
por aqui, optei por não mentir em troca dessa tal desejada e imensurável
liberdade. E quando falo em liberdade, me refiro à tentativa de poder ser nesse
mundo, mesmo que apenas no (ray)mundo, o mais verdadeiro possível. Que possa
pensar e me expressar como e quando quiser. Quedar-me, ao máximo, ao lado das
pessoas das quais mais gosto e/ou amo. Vestir-me, ler, ouvir o que me interessa
ou ir apenas a lugares que me fazem sentir bem. Poder viver o luxo de não ter
nada e isso ser tudo que eu preciso para me sentir vivo, nem melhor nem pior do
que sou. Ter a certeza de que não podem falar de mim, pois ninguém paga as
minhas contas. Ora, se às vezes nem eu as pago!
Tudo
isso, pois entendo que minha mesmo, apenas a efêmera vida, esta que se abriga
nesse corpinho meia boca de cinquentinha, minha única, verdadeira e
intransferível morada, quase um trailer riponga, modelo Sgt. Pepper’s.., de
pneus recauchutados, mas a quem devo respeito e alguma atenção.
Sim,
poderia até jurar, mas minha mãe também me dizia: “quem jura
mente”. Então, fico por aqui, de verdade.
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