quinta-feira, 1 de setembro de 2022

"Liberdade é Não Mentir!", de Raymundo Netto para O POVO

 


Parece mentira, mas não gosto de mentir.

E o quanto não gosto de mentir, gosto em igual volume de dizer “Eu não minto!”. Isso irradia em mim uma sensação de liberdade incrível, comparável até ao quinto, não digo o mesmo para o sexto, mas ao exato quinto dia útil do mês.

Minha mãe, que já herdara esse defeito da mãe dela, detestava a mentira. Para ela, a maior traição. “Quem mente engana a si mesmo!”, repetia com bravura adolescente a quem quisesse ouvir, muitos até, de berço, praticantes do exercício fraudulento da palavra, que ficavam boquiabertos – principalmente se fossem pacientes dela, que era dentista – diante daquele monumento humano de honestidade e inocência. No mínimo, pensavam: “Aí mente...” ou, os mais crédulos, “Ah, coitada...”

Decerto que mentir socialmente pode ser considerado um treino da criatividade e/ou da diplomacia, muito útil para calar aqueles instantes de incômodo silêncio nos quais não é saudável trocar palpites sobre política, futebol ou religião, restando pouco a fazer com a língua. Há quem diga, inclusive, que mentira boa é aquela mais convincente, mais verdadeira do que a duvidosa verdade – muitas vezes, por razões morais, preferem chamá-la de “alegoria” ou “retórica”. 

Ah, e por falar em língua, os bons escritores, verdadeiros canhões da lorota, não pagam por ela, mas por sua pena falaciosa. Isso, quando não transferem o seu talento para a vida prática, mais especificamente para alcova, sede do imaginário ultrarromântico, gastando uma torrente que, melhor aplicada, daria para forjar romances épicos, em vez de crises conjugais ou crimes passionais sob a luz do luar.

Alguém pode confessar, saramagueando o próprio, que seria muito violento viver se não existisse a mentira. Pessoas que, a Milli Vanilli, fingem tão completamente ser o que não são que acabam por perder a identidade e a confiança, tal qual aquele pastel mineiro sem recheio, cujo nome popular é “mentira”. E por falar em Minas Gerais, foi de lá que se iniciou no Brasil o Dia da Mentira, quando em 1º de abril de 1848 publicaram um periódico denominado, acredite: “A Mentira”.

Eu, por aqui, optei por não mentir em troca dessa tal desejada e imensurável liberdade. E quando falo em liberdade, me refiro à tentativa de poder ser nesse mundo, mesmo que apenas no (ray)mundo, o mais verdadeiro possível. Que possa pensar e me expressar como e quando quiser. Quedar-me, ao máximo, ao lado das pessoas das quais mais gosto e/ou amo. Vestir-me, ler, ouvir o que me interessa ou ir apenas a lugares que me fazem sentir bem. Poder viver o luxo de não ter nada e isso ser tudo que eu preciso para me sentir vivo, nem melhor nem pior do que sou. Ter a certeza de que não podem falar de mim, pois ninguém paga as minhas contas. Ora, se às vezes nem eu as pago!

Tudo isso, pois entendo que minha mesmo, apenas a efêmera vida, esta que se abriga nesse corpinho meia boca de cinquentinha, minha única, verdadeira e intransferível morada, quase um trailer riponga, modelo Sgt. Pepper’s.., de pneus recauchutados, mas a quem devo respeito e alguma atenção.

Sim, poderia até jurar, mas minha mãe também me dizia: “quem jura mente”. Então, fico por aqui, de verdade.

 





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